Ruy Mingas: o bom camarada
Ruy Mingas foi desportista, professor, músico, político e diplomata
Muita gente conhece a canção Meninos de Huambo («os meninos à volta da fogueira…»), mas poucos sabem que essa cantiga, que Paulo de Carvalho divulgou amplamente e com grande sucesso, foi escrita pelos autores… do Hino Nacional de Angola! Vem isto a propósito da homenagem que aqui se quer prestar a Ruy Alberto Vieira Dias Rodrigues Mingas, que conhecemos como Ruy Mingas, angolano que se notabilizou como atleta (foi recordista de salto em altura, em Portugal, em 1960), músico e político.
Um dia apareceu no programa Zip-Zip (de Carlos Cruz, Raul Solnado, Fialho Gouveia e José Nuno Martins, RTP, 1969), que foi inovador na televisão portuguesa e revelou talentos (Manuel Freire, Francisco Fanhais, José Manuel Osório, Introito, Pedro Barroso e José Barata Moura, por exemplo, juntando-lhes Tonicha ou Lenita Gentil) da canção que por cá se praticava. Ruy Mingas estava lá, atento ao conselho que Carlos «Liceu» Vieira Dias, seu tio e grande percursor da nova canção angolana, lhe dera: «cultiva o teu ouvido musical.» Grande êxito e, desde logo, uma carreira de cantor e grande divulgador da canção de raízes angolanas, que caminhavam de braço dado com ideias políticas progressistas e empenhadas na denúncia do colonialismo e na luta do povo angolano, no seu caso a luta do MPLA.
Mingas musicou e interpretou, num exemplo que sintetiza o que se acaba de escrever, o poema Monangambé (em kimbundu, «filho de escravo», que trabalha no duro e leva «porrada se refilar»), de António Jacinto («Naquela roça grande / não tem chuva / é o suor do meu rosto / que rega as plantações (…). Quem faz o branco prosperar? Monangambé!»).
Pode dizer-se que Ruy Mingas, enquanto músico, escreveu as suas próprias canções e musicou poemas de grandes poetas angolanos, como Agostinho Neto e Viriato da Cuz, para além do já citado António Jacinto. O que culminou na canção heróica que compôs com base num poema de Manuel Rui Monteiro – Angola Avante! – e que foi escolhida como Hino da Angola.
Sempre muito ligado a Portugal, Mingas deu aulas de Educação Física na Escola D. António da Costa, em Almada. Era, por alturas do 25 de Abril, o principal membro do corpo diplomático do MPLA, desempenhando importante papel nas negociações pela independência angolana com os oficiais do MFA.
Em Angola foi secretário de Estado para a Educação Física e Desporto, com estatuto de ministro, e acabou por ser ministro durante dez anos, após os quais foi nomeado embaixador de Angola em Portugal, cargo que exerceu entre 1989 e 1995 e que esteve na origem da condecoração – Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique – com que foi agraciado.
Em 2014 a Sociedade Portuguesa de Autores distinguiu-o com o Prémio Autor Internacional.
Durante as suas andanças pelo nosso país, longe ainda de sonhar atingir o topo da sua carreira profissional, que na música quer na política, o Ruy Mingas era um amigo divertido, talentoso, dono de uma voz profunda e de uma não menos profunda determinação em lutar pelos seus ideais.
No Zip-Zip e nos tempos que se lhe seguiram, tocando e cantando sozinho ou, como no seu segundo álbum, por exemplo, acompanhado pelo seu irmão André, pelo percussionista francês Daniel Louis, com o brasileiro Marcos Resende ao piano e a direcção musical de Thilo Krasmann, era um foco de alegria e boa disposição, excelente conversador e amigo do seu amigo.
Digamos que Ruy Mingas era, também na intimidade, o que sempre foi na vida, em todas as acepções da palavra: um bom camarada!