2024 na Companhia de Teatro de Almada: uma programação com Abril dentro
A Companhia de Teatro de Almada presta tributo à Revolução de Abril
O Grupo de Teatro de Campolide, dirigido por Joaquim Benite foi, nesse já longínquo ano de 1971, uma lufada de ar fresco, de ventos renovadores e inquietos, num panorama teatral de asas cortadas pelas constantes e canhestras incursões da Censura junto das companhias teatrais que, então, tentavam rasgar o cerco: Teatro Estúdio de Lisboa, de Luzia Maria Martins/Helena Félix; Teatro Experimental de Cascais, de Carlos Avilez; Casa da Comédia, dirigida por Fernando Amado; Teatro Maria Matos, dirigido por Artur Ramos; e Teatro Moderno de Lisboa; para além de grupos independentes, como o Grupo 4, Os Bonecreiros e A Comuna, isto na capital. No Porto, pontuavam A Seiva Trupe, Teatro Experimental do Porto, TEAR, Realejo, o Teatro Sá da Bandeira, que acolhia as companhias de revista idas do Parque Mayer e o Teatro Nacional de S. João.
A Companhia de Amélia Rey-Colaço/Robles-Monteiro, que em 1965 se mudara para o Teatro Avenida, dado que o Teatro D. Maria II havia sido destruído por incêndio, produz O Motim, de Miguel Franco, peça que a Censura proibiu 6 dias após a estreia. No entanto, os dois mais interessantes espectáculos de 1971, caberiam a essa Companhia, então a actuar no Teatro da Trindade (o fogo consumira também o Avenida), com O Duelo, de Bernardo Santareno, e Calígula, de Albert Camus, a par da estreia numa colectividade de Campolide da peça de O Avançado-Centro Morreu ao Amanhecer, de Agustin Cuzzani, encenada por Joaquim Benite, para o nascente GTC.
O Grupo de Teatro de Campolide foi, desde a sua fundação, segundo Carlos Porto, «um grupo de características especiais que o distinguiam tanto dos grupos de amadores como dos grupos independentes.»1
Essas fecundas qualidades iniciais permanecem e refinam-se anos após ano na herdeira natural do GTC, a Companhia de Teatro de Almada, no seu espaço do teatro azul. A prova desse contínuo empenho, na angariação de novos públicos e na qualidade dos espectáculos, está presente na programação que a Companhia projecta para o ano em curso, o ano em que se comemoram os 50 anos da Revolução de Abril: «é dessa Revolução que nós vimos», diz Rodrigo Francisco, director artístico da Companhia, «e por isso lhe prestaremos tributo, no seu cinquentenário. Para a criação da peça A sorte que tivemos! – um espectáculo sobre Abril, convidámos cinco dramaturgos portugueses a escreverem sobre o dia “inteiro e limpo”». Este espectáculo, com textos de António Cabrita, Jacinto Lucas Pires, Luísa Costa Gomes, Patrícia Portela e Rui Cardoso Martins, com encenação de Teresa Gafeira, estará em cena no Teatro Municipal Joaquim Benite, de 12 de Abril a 5 de Maio.
Outras criações da CTA, que merecem sublinhados, são: O futuro já era, de Sibyle Berg (prémio Bertolt Brecht em 2020), com encenação de Peter Kleinert, um encenador já conhecido do público português. A peça estará em cena entre 1 e 24 de Março; a reposição de um importante texto de Alexander Zeldin, Além da dor, encenado por Rodrigo Francisco, de 5 a 17 de Julho; A bunda preta da chuvinha, um texto de Rodrigo Francisco, baseado na peça Ma Rainey’s Black Bottom, de August Wilson. Algo entre o afro-beat e o hip-hop, espécie de balada da Margem Sul, que levará, por certo, ao Teatro Joaquim Benite um público mais jovem e interessado, entre 8 de Novembro e 1 de Dezembro.
Muitas outras peças e grupos de teatro passarão ao longo de 2024 pelas tábuas deste magnífico teatro de Almada, assim como a música e a dança. Desses espectáculos permito-me recomendar dois: Mãe Coragem, de Bertolt Brecht, pelo Teatro do Bairro, e A Judia, de Kurt Weill e Brecht. O primeiro a 17 e 18 de Julho e o segundo a 14 e 15 de Setembro. A não perder, como é hábito, as conversas sobre os textos em cena e as imprescindíveis exposições que contam com instalações de José Manuel Castanheira, com o apoio do Arquivo Ephemera/CTA e a documentação de José Pacheco Pereira e Rita Maltez: A Censura ao Teatro, à qual nem escapou a peça Deus Lhe Pague, de Joracy Camargo; A Explosão da Liberdade, pelos Olhos do Teatro; 25 de Abril: os Dias, as Pessoas e os Símbolos e Manter a Memória do Dia da Liberdade.
Ir ao teatro e encontrar a outra banda da Liberdade que Abril nos deu: vejam a sorte que tivemos! Que ainda temos!
1 Carlos Porto, in 10 Anos de Teatro e Cinema em Portugal –1974/1984, Lisboa 1985, Caminho, p.50