Da Guerra Nunca Se Volta, de Armando Sousa Teixeira
Da Guerra Nunca Se Volta contém os elementos discursivos comuns
A maioria dos títulos publicados em 1961 é, genericamente, de boa colheita e opondo-se aos propósitos da ditadura. Ano em que o paquete Santa Maria é tomado de assalto por Henrique Galvão, rebatizado Santa Liberdade; os movimentos de libertação iniciam, com o ataque à cadeia de Luanda, a insurreição armada em Angola; o general Botelho Moniz ensaia um frustrado golpe de Estado; a União Indiana invade e toma Goa, Damão e Diu; a revolta preparada por Varela Gomes, que Humberto Delgado devia encabeçar a partir do Regimento de Infantaria de Évora, fracassa, originando várias prisões de antifascistas e José Dias Coelho é cobardemente assassinado pela PIDE numa rua de Lisboa.
Nesse ano de todas as revoltas, incluindo as estudantis e as dos trabalhadores rurais do Alentejo e Ribatejo pela jornada de 8 horas, publicavam-se perto de cinco dezenas de livros de autores portugueses, com destaque para Barranco de Cegos, de Redol; A Colher na Boca, de Herberto Helder; Mar de Setembro, de Eugénio de Andrade; Voz Inicial, de Ramos Rosa; A Invenção do Amor, de Daniel Filipe; Domingo à Tarde, de Fernando Namora; Matai-vos Uns aos Outros, de Jorge Reis; O Reino da Estupidez, de Jorge de Sena; Os Insubmissos, de Urbano; e O Signo da Ira, de Orlando da Costa.
Até que ponto é que a literatura deve tomar posição face aos acontecimentos seus contemporâneos, interrogava-se Werner Krauss dando a palavra a Sartre e ao seu conceito de literatura comprometida. A nossa literatura só a partir de 1963 se irá referir, através da voz dos poetas, sobre o conflito armado nas três colónias: Angola, Moçambique e Guiné. Fernando Assis Pacheco publica Cuidar dos Vivos (1963), Manuel Alegre, Praça da Canção (1964) e Daniel Filipe, Pátria, Lugar de Exílio (1963). Em 1967, sai a antologia Hiroxima, sinalizando os 20 da destruição de Hiroxima e Nagasáqui pela bomba fascista dos EUA. A data serviria de pretexto para a denúncia da Guerra Colonial, com poemas como Nambuangongo, Meu Amor, de Alegre e Jardins de Guerra, de Casimiro de Brito, mas juntando nomes como Papiniano Carlos, Maria Rosa Colaço ou António Rebordão Navarro. Em 1967, publicam-se Os Mastins, de Álvaro Guerra e em 1972 o corajoso livro de Modesto Navarro História do Soldado Que Não Foi Condecorado.
A literatura que ficciona a Guerra Colonial, no seu núcleo canónico, recupera a análise social do neo-realismo, no sentido reflexivo e crítico, acrescentando-lhe rigor formal, subjectivismo, exposição intimista, ou seja, as derivantes estéticas e conceptuais que o nouveau roman havia introduzido, através de Urbano Tavares Rodrigues, no processo diegético. Esta reflexão crítica está também presente no livro Da Guerra Nunca Se Volta, de Armando Sousa Teixeira. A vastíssima e informada análise que o autor faz das várias frentes de combate e do seu enquadramento político, o envolvimento, mesmo que camuflado, da NATO, a actuação da PIDE, são elementos raramente tratados noutros livros que tematizam a guerra, fazendo deste um elemento indispensável para o entendimento cabal do que na realidade estava em causa.
O autor faz com asserto a contextualização autobiográfica do conflito, juntando-lhe dimensão moral e assunção da verdade como métodos estruturantes do narrado, a determinante intervenção no discurso do narrador/protagonista, do autor/personagem, que lhe permite uma clara capacidade de ficcionar os factos, de reflectir sobre os elementos do vivido, entrelaçando-os com o tempo social e histórico, numa visão dialéctica e ideologicamente comprometida, que Werner Krauss não recusaria.
Da Guerra Nunca Se Volta contém os elementos discursivos comuns aos melhores textos que têm a Guerra Colonial como discurso de denúncia crítica, testemunhal e catarse: o humor, o sarcasmo, a revolta, a autoanálise, a desmontagem do drama (simultaneamente individual e colectivo), a distanciação do objecto ficcional e a contenção do trágico. Estão nesta linha textos como Ir à Guerra, de Modesto Navarro, Lugar de Massacre, de José Martins Garcia, Cus de Judas, de António Lobo Antunes, Nó Cego, de Carlos Vale Ferraz, Diário Pueril da Guerra, de Sérgio de Sousa, Memória de Cão, de Álamo Oliveira, Percursos (do Luachimo ao Luena), de Wanda Ramos, No Percurso das Guerras Coloniais, de Mário Moutinho de Pádua, Adeus, Até ao Meu Regresso, de Beja Santos, o meu Os Navios Negreiros Não Sobem o Cuando e este inesperado, misto de romance e ensaio, de Armando Sousa Teixeira.
Da Guerra Nunca Se Volta é um livro corajoso, de escrita clara e denunciadora do fascismo, ancorado no real e no histórico, descrevendo um dos períodos mais sofridos e infames, em termos sociais, humanos e políticos, da segunda metade do nosso século XX.