Os cúmplices

Rui Fernandes

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Em artigo recente no Observador, Fernando Figueiredo – que assina como coronel reformado, mas foi candidato da IL – afirma que esta Lei de Programação Militar (LPM) não dá respostas a questões de recrutamento, treino e retenção de pessoal qualificado. Depois de um conjunto de vaguidades refere: «Por cá, nada de novo, continuamos a fechar quartéis e temos a extrema-esquerda do BE e os radicais do Livre e PCP a defenderem que sejam transformados em habitação social ou residências universitárias.»

Ora, a questão que se coloca é se quem escreve o faz para seriamente tratar um problema sério ou destilar umas azias. Desde logo porque a LPM nada tem a ver com recrutamento e retenção, e mesmo quanto ao treino só subsidiariamente se pode considerar ter algum encaixe. Considera o autor que deveria ter? Está no seu direito. Mas não tem!

Depois, a referência ao PCP só pode ser uma alucinação. É verdade que o PCP propôs que os edifícios, há anos abandonados, da antiga Escola Prática de Cavalaria (Santarém) pudessem servir para habitação social. Edifícios que em nada bulem com o Exército porque já não são propriedade sua. Falar sem saber ou dizer mal só porque é preciso dizer mal, fará o estilo de alguns e diz muito sobre a honestidade intelectual de quem assim se posiciona na vida.

Dito isto, a matéria de facto é que as responsabilidades pelo estado a que chegámos têm nome: PS, PSD e CDS, de onde brotaram alguns que hoje estão no Chega e na IL. Isto é matéria de facto, por muito que apareçam a falar como se não houvesse passado. Como se o estado em que se encontram as Forças Armadas tivesse sido um acto. Não Foi! Tem sido um processo de muitos anos. Um processo de cumplicidades na política de aprofundamento da centralização e governamentalização em actos sucessivos ao longo dos anos. Cumplicidades na alienação e privatização das empresas ligadas à indústria de defesa, mas também de outras infra-estruturas, como bem exemplifica o caso do Hospital Militar de Belém. Cumplicidades no fim do SMO. Cumplicidades no incumprimento da Lei que rege as associações socioprofissionais de militares. Cumplicidades no incumprimento do Estatuto da Condição Militar. Cumplicidades de há muitos anos nos critérios de avaliação e consequentemente de exclusão de promoções. Cumplicidades na manutenção de um sistema cada vez mais afunilado de progressões na carreira. Cumplicidades na manutenção de um regime remuneratório estagnado. Cumplicidades na degradação do serviço de saúde militar, de que a situação vivida no Hospital das Forças Armadas é a face mais visível. Cumplicidades na continuada política de padronização e subordinação aos interesses dos EUA/NATO e ao projecto militarista da UE. Cumplicidades que contaram (com raras excepções) com o contributo de Chefias Militares que, agora na reforma, aparecem muito activos, mas quando estavam no activo… pouco sinal de vida deram. E esclareça-se, porque as mentes perversas existem, que dar sinal de vida é não mascarar a realidade e as dificuldades.

Uma cumplicidade perfeita que a realidade, particularmente a realidade mais recente das Forças Armadas expõe, mesmo para quem não quer ver.

Dirão alguns que o PCP só vê mazelas, é negativista. A esses, a começar pela senhora ministra da Defesa, que está de saída, dizemos que não é verdade. E assim dizemos não por mera afirmação, mas porque o conjunto de propostas, alertas e sugestões do PCP ao longo dos anos o comprovam.

Realidade a que o Orçamento do Estado mais uma vez não responde. E não, não é por via do subsídio da Condição Militar que se trata a valorização, mas por via da tabela remuneratória. Dará muito jeito receberem o aumento anunciado com retroactivos a Janeiro de 2023? Sim, mas quanto aumentou a prestação mensal da casa para muitos? Quanto perderam ao longo de anos pela política praticada pelos «cúmplices»?

 



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