A Tocha Invisível

Sérgio Dias Branco

Os Carrascos Também Morrem parte do assassinato do dirigente nazi Reinhard Heydrich

Os Carrascos Também Morrem (Hangmen Also Die!, 1943) é um filme antifascista feito nos Estados Unidos, dois anos depois de o país ter entrado na Segunda Guerra Mundial. Pertence ao conjunto de obras que tentavam convencer o povo americano sobre a justeza desta participação. No meio destas obras, Os Carrascos Também Morrem é um caso singular.

Foi realizado por um grande cineasta exilado, que tinha sido um dos nomes fundamentais do expressionismo alemão: o austríaco Fritz Lang. A sátira cómica tinha sido uma das vias no retrato dos nazis, através de filmes de realizadores emigrados como O Grande Ditador (The Great Dictator, 1940), do britânico Charles Chaplin, e Ser ou Não Ser (To Be or Not to Be, 1942) do alemão Ernst Lubitsch. Neste filme, esse retrato é mais dramático e para isso concorre a música de Hanns Eisler, futuro compositor do hino da RDA, como elemento basilar. A crueldade nazi é evidente desde a primeira cena em que se discute a execução sumária de centenas de trabalhadores para esmagar os movimentos de boicote da produção nas fábricas, nomeadamente de material de guerra. Lang estrutura a tensão a partir dos espaços, das perspectivas, e das relações entre indivíduo e grupo, preferindo caracterizar subtilmente as personagens através de pequenos gestos.

A narrativa foi inspirada no assassinato de Reinhard Heydrich, em 1942, o Protector da Boémia e Morávia, a região checa ocupada pelos nazis. Era o número dois da SS e foi um dos principais mentores do Holocausto. Era conhecido como o «carrasco de Praga», daí o título do filme. A estória foi escrita por Lang e Bertolt Brecht. O guião ficou a cargo de John Wexley, membro do Partido Comunista dos EUA, argumentista mais tarde colocado na lista negra de Hollywood quando a perseguição aos militantes e simpatizantes comunistas se intensificou. Lang e Brecht reuniam regularmente para discutir ideias, com a participação de Wexley, que foi produzindo rascunhos do argumento a partir dessas sessões.

A produção do filme teve alguns problemas, mas, ao contrário do que por vezes se diz, Brecht não o renegou. No essencial, ele ficou descontente com o facto de não ter sido creditado como argumentista e com a eliminação de várias cenas dos prisioneiros no campo de concentração, entre o editor, o operário ferroviário, o padre, o poeta, e o professor, criadas quase exclusivamente pelo dramaturgo alemão. Os diários de trabalho de Brecht publicados em 1973, assim como os comentários posteriores de Lang, mostram que o problema esteve sobretudo na aceleração da produção a partir de determinada altura e na necessidade de diminuir a duração do filme, que ainda assim tem 134 minutos. Não houve propriamente discordâncias políticas, mas algumas divergências estéticas. Os Carrascos Também Morrem acabou por ser o único filme americano com o nome de Brecht nos créditos, embora haja indícios de que tenha trabalhado noutros projectos realizados. Ele deixou os Estados Unidos pouco depois de testemunhar perante o Comité de Actividades Anti-Americanas.

O poema escrito pelo operário aprisionado, A Tocha Invisível, tem claramente o cunho de Brecht. Começa com estes versos: «Caros patriotas, chegou a hora / Caros patriotas, há trabalho a ser feito / Levantem a tocha invisível e passem-na adiante / Mantenham-na acesa, mantenham-na acesa / avançando na estrada que não tem curva.» Fecha com um verso afirmativo: «Sem rendição!» (em inglês, «No surrender!»). Brecht queria que este fosse o título do filme, mas, segundo Lang, tal não aconteceu porque durante a rodagem foi lançado um livro com o mesmo título. Seja como for, o realizador encontrou outra forma de expressar a ideia de que, ainda que os nazis não tivessem sido derrotados, a resistência antifascista não desistiria desse objectivo. Antes do «The End» foi incluído um «Not» — «Not the End», portanto, «Não é o Fim».




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