Lítio, hidrogénio, energia – quando o País se coloca nas mãos do capital
A corrupção e a promiscuidade entre público e privado são intrínsecas ao capitalismo
A promiscuidade entre poder político e poder económico, a corrupção, sendo intrínsecas ao sistema capitalista, ganham particular dimensão em sectores que exigem uma enorme concentração de capital, de que são exemplo a energia e os recursos minerais. Sectores que, sendo eminentemente públicos, têm vindo a ser apropriados pelos grupos económicos, particularmente no quadro das políticas de privatização e liberalização promovidas pela UE e por governos de PS, PSD e CDS.
São sectores eminentemente públicos porque requerem elevados níveis de investimento, só possíveis a partir de recursos públicos ou de forte subsidiação pública. Também porque, pela importância estratégica e por requererem a utilização de recursos naturais, estarão sempre sujeitos a algum grau de decisão política, mesmo quando privatizados. São ainda demasiado grandes para falir, e por isso, só são privados enquanto derem lucro aos seus acionistas (caso se aproximem da falência, por serem estratégicos, o Estado lá estará para arcar com os prejuízos e depois voltar a privatizar, conforme tem sido o mantra da política de direita submissa a Bruxelas).
Os mecanismos criados para permitir os artificiais «mercados» destinados a garantir os lucros milionários aos grupos económicos destes sectores são, em si mesmo, uma intrincada teia regulatória que é pasto para a promiscuidade. E com uma regra de ouro: a garantia do interesse do capital.
Veja-se o recente caso do lítio. Qual foi a justificação do Governo PS para dar a concessão para a exploração à Lusorecursos? O facto de a Lei obrigar a atribuir direitos de exploração à empresa mineira que fizer a prospecção. É logo aqui que está o problema! O País está hoje refém das multinacionais mineiras para conhecer os seus próprios recursos; e a partir do momento em que concede direitos de prospecção (ou seja, o conhecimento dos recursos existentes no subsolo), entrega automaticamente direitos de exploração, ficando no critério da multinacional (portanto, das suas perspectivas de lucro) a decisão sobre se o recurso é explorado ou não. Em vez deste sistema perverso, o País precisava, tal como o PCP tem proposto, que pelo menos na fase da prospecção o papel do Estado fosse central, deixando de estar dependente da concessão de direitos futuros para poder conhecer os seus recursos minerais. Só assim, o País estaria em condições de decidir se deve (ou não) prosseguir a exploração daquele recurso, com base em critérios de interesse público.
No caso do hidrogénio e noutros investimentos na área da energia, vemos também como os recursos públicos estão a ser colocados ao serviço dos lucros privados. Em vez da «lição exemplar» que António Costa prometeu dar à Galp aquando da decisão de encerramento da refinaria de Matosinhos, temos em curso a continuação do favorecimento deste grupo: os dois maiores projectos das Agendas Mobilizadoras do PRR são liderados pela Galp. Um de 914 milhões de euros (refinação de lítio e produção de baterias); outro de 578 milhões (produção de hidrogénio verde). Ainda a 8 de Novembro, o Governo não soube dizer, em resposta ao PCP, qual a percentagem de financiamento público para o maior destes investimentos.
Os projectos do hidrogénio beneficiarão ainda da construção da central dessalinizadora em Sines (também paga com recursos públicos) e, tal como o Data Center, exigirão ainda a ocupação de um vasto território com unidades de energia solar e eólica, com impactos relevantes. Investimentos só possíveis pela criação artificial de um «mercado» para justificar a forte subsidiação pública directa ou indirecta, em nome de uma transição energética conduzida, não no sentido do desenvolvimento nacional, mas dos interesses do capital.
Uma das formas de subordinação ao poder económico continua a ser o acesso a «vias rápidas», como o regime dos PIN, que permite contornar a legislação ambiental, urbanística e os processos de decisão que envolvem autarquias e populações. Por exemplo, com o Simplex Ambiental, as centrais de energia solar com dimensão até 100 campos de futebol ficarão isentas de qualquer avaliação de impacte.
Concluindo: a energia e os recursos minerais são sectores onde a privatização e a liberalização abriram o caminho à promiscuidade entre o interesse público e os negócios. O resultado está à vista. São por isso sectores demasiado estratégicos para serem entregues a interesses privados, tornando indispensável o seu controlo público, democrático, ao serviço do desenvolvimento do País.