A invenção da escultura

Manuel Augusto Araújo

Jorge Vieira tinha a centelha de um génio humano

Hoje, dia 16 de Novembro, Jorge Vieira faria 101 anos. De raríssimos artistas se poderá afirmar sem contestações que mudaram numa determinada época as artes. Jorge Vieira é um desses artistas. A escultura em Portugal alterou-se com Jorge Vieira. Há um antes e um depois Jorge Vieira. Cada uma das suas obras ensina-nos a ver, ensina-nos a descobrir um mundo outro, ensina-nos que para lá do mundo de pouco real, que tantas vezes nos querem impor como único mundo possível, há outro mundo onde a imaginação, a inventiva o povoam de novos seres, de figuras, de coisas, acrescentando real ao real.

Extraordinário é que esse outro mundo, parte indissociável do seu mundo, se confunde com si-próprio, é uma sua extensão humana forte e imaginosa, habitada por um tranquilo e sábio desassossego. Corpo ancorado no chão em que as mãos laboriosas compreendiam e assimilavam o tumulto inteligente que o habitava.

É um escultor sem mestre com mestres de quem nunca foi discípulo. Os que encontrou na Escola de Belas Artes de Lisboa. Com os que procurou fora da ESBAL, António Duarte, Francisco Franco e António Rocha, desenvolveu uma actividade que incidia na pesquisa tecnológica. Mais tarde, em Londres, com Henry Moore e Reg Butler, há um trabalho de conhecimento e aprendizagens que cruza com as colhidas nas viagens que tinha feito a França, Itália, Inglaterra.

São trabalhos que apuram o seu imaginário muito pessoal em que se cruzam o abstraccionismo, o surrealismo e as esculturas dos primitivos da África negra, das Ciclades, dos Caldeus e Hititas, que explora com uma liberdade bem livre na criação de formas que o situam num modernismo de uma modernidade em sentido amplo, que recupera e dá sentido ao quotidiano com as suas esculturas, todas as suas esculturas, qualquer que seja a sua escala e os materiais, gerando sempre uma intimidade muito particular com os lugares onde habitam, sejam públicos ou privados, seja numa grande praça ou na intimidade de uma casa. É um imenso olimpo de figurações que celebram a vida no que ela tem de mais eterno com uma ritualidade pagã da alegria de viver exaltando o mundo na sua contínua transformação.

A esfuziante criatividade de Jorge Vieira constrói um percurso autónomo que se afirma enquanto instância particular socialmente partilhada onde se entrelaçam real e memória, ficção e telúrico, um percurso que tempestuou o quotidiano porque foi sempre inovador, foi sempre ímpar, porque esteve sempre com o seu tempo a questionar o seu tempo.

Às suas qualidades de artista adicionava o ser um homem de intransigente verticalidade para quem a mediocridade era insuportável, que se distanciava dos fazedores de modas, da crítica de arte promotora de promoções, dos mentores de consciências. Um homem desta estirpe só podia ser um homem política e socialmente empenhado, um artista atento sempre inovador.

Jorge Vieira tinha a centelha de um génio humano demasiado humano onde cintilava a vibração metálica do sol. Tinha uma força bem terrena e uma ironia feroz que estilhavaça o senso comum, um olhar olímpico que radiofotografava o universo com uma energia sensual, tanto nas representações figurativas, com destaque para a mulher, como nas zoológicas com destaque para o touro, que adquirem novas anatomias, equilíbrios antes impossíveis, dinâmicas extraordinárias, como nas abstractas que aparentam esquematismos simbólicos, das pequenas peças às de grande dimensão como o Homem Sol no Parque das Nações, são todas e para sempre marcadas pelas metamorfoses oníricas, mágicas que são a singularidade da sua obra de uma alegria exultante.

 



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