Clarinho como água
É conhecido o caminho que, por parte da UE, tem sido percorrido no sentido de promover e impor aos Estados processos de agregação de sistemas de fornecimento de água e saneamento, visando a mercantilização e a privatização da água e do saneamento.
Ora com argumentos ligados à protecção do denominado mercado único ou da concorrência, ora invocando a sustentabilidade orçamental, ora com argumentos relacionados com a chamada agenda verde, têm sido sucessivas as intentonas por parte das instituições da UE para desmantelar, liberalizar, privatizar e (des)regular serviços públicos e funções sociais dos Estados.
Na passada sessão plenária do Parlamento Europeu tivemos mais um exemplo desse caminho, aquando da discussão da revisão da Directiva relativa ao tratamento de águas residuais urbanas.
Já da proposta da Comissão Europeia, que o Parlamento pouco alterou e, muito menos, questionou, tratando por igual realidades muito diferentes, resultavam exigências, a cumprir num limitado período temporal, que implicarão avultados investimentos, em termos de infra-estruturas e de aquisição de novas tecnologias – com o correspondente aumento de custos de operação e manutenção –, não sendo acompanhada dos meios financeiros necessários para a sua concretização, nomeadamente ao nível de fundos da UE.
Estas exigências implicarão a alteração de inúmeros sistemas em Portugal, sendo que as maiores infra-estruturas teriam de passar a possuir um sistema de tratamento quaternário (que visa, no essencial, remover os chamados micropoluentes), com tecnologias extremamente dispendiosas e sem garantia de que estas permitam a remoção desses compostos com sucesso.
A própria Comissão Europeia admite que os custos desta proposta serão elevados. No entanto, e apesar de estabelecer um difuso sistema de responsabilidade do produtor destinado às indústrias farmacêuticas e de cosméticos, aprofunda o caminho de fazer reflectir nas tarifas os custos dos sistemas de saneamento.
De notar que esta discussão ocorreu na mesma semana em que a Comissão Europeia tornou público um parecer fundamento – incluindo nos chamados procedimentos por infracção – em que argui que Portugal não cumpre a directiva em vigor em 18 ETAR.
Não surpreende se se disser que nem uma palavra quanto à necessidade de gestão pública dos sistemas de abastecimento e saneamento de águas, nem o seu contributo insubstituível para garantir os mais altos padrões de qualidade das águas residuais.
O que resulta clarinho como água desta proposta é a opção das instituições da UE pelos interesses dos grandes grupos económicos, nomeadamente da indústria das tecnologias de saneamento e farmacêutica, em claro prejuízo do interesse dos Estados e das populações.