Milhares exigiram cumprimento do direito a ter casa para viver
«Queremos casa, queremos Pão - Direito à habitação!», «estamos fartos de escolher, pagar a renda ou comer», «casa para viver, planeta para habitar», foram algumas das palavras de ordem que se ouviram, sábado, 30, nas ruas de todo o País.
O protesto adquiriu um carácter massivo
Ao protesto, inicialmente convocado para exigir o cumprimento do direito constitucional à habitação, plasmado no artigo 65 do texto fundamental, reunindo plataformas e associações com intervenção nesta matéria, juntaram-se outros cujo foco tem sido a reivindicação da justiça climática. O movimento reivindicativo foi crescendo, foi sendo construído em adesões, dinâmica e iniciativa, e, no sábado, saiu à rua em 22 cidades de 17 distritos, sob a consigna «casa para vive».
Em Lisboa, assistimos a um mar de gente, de todas as idades, muitas profissões e origens – jovens estudantes ou trabalhadores, ou ambos, sem condições materiais para pagar uma habitação; idosos expulsos das respectivas casas ou em risco de o serem, incluindo por impossibilidade de suportarem as rendas galopantes; pais com filhos menores, a quem sobra cada vez mais mês nos salários demasiado baixos para acomodar os aumentos generalizados: na prestação com o crédito à habitação e no preço dos bens e serviços essenciais.
Caso de Ana Teixeira, residente na Amadora, que ao Avante! testemunhou que, desde o início do ano passado, já viu o banco levar-lhe, e ao seu companheiro, mais 200 euros no orçamento familiar mensal. Já só compra o essencial e mais barato no supermercado e considera que as medidas adoptadas pelo Governo excluem a maioria, adiam o problema, favorecendo somente a banca, salientou.
Presente na manifestação em Lisboa, a Secretária-geral da CGTP-IN, Isabel Camarinha, ouvida pela Lusa, defendeu, por isso, que a banca deve suportar as subidas das taxas de juro. Notou, além do mais, que trabalhadores, estudantes, reformados e pensionistas estão estrangulados pela combinação explosiva de baixos rendimentos e custo de vida crescente. Nas palavras de ordem, nos panos e cartazes, reclamou-se justamente «baixem rendas e prestações, aumentem os salários!», «para os bancos vão milhões, para nós nem tostões!» ou «casa é para morar, não é para especular!».
Especulação, aliás, que, para Tiago Mota Saraiva, residente em Lisboa e arquitecto, é bem visível quando, desde Abril, se regista que à subida dos custos de construção se segue a duplicação do preço de venda das casas, exemplificou em conversa com o órgão central do PCP.
Muito a conquistar
André Escoval, do Movimento Porta-a-Porta, um dos principais promotores das iniciativas em todo o País, acusou, por seu lado, o Governo de, desde as últimas manifestações pelo direito à habitação, em Abril, ter apenas garantido os lucros da banca, os quais, recorde-se, já vão em 11 milhões de euros por dia.
Ao Avante!, quando a manifestação ainda descia a Avenida Almirante Reis, sublinhou, nesse sentido, a actualidade das reivindicações presentes nos protestos, convocados pelas plataformas Casa para Viver e «Their Time to Pay». Designadamente medidas que imponham o abaixamento das rendas e das prestações por crédito à habitação. Um dos objectivos é que aqueles custos não ultrapassem 35% dos rendimentos de cada família, acrescentou.
Já pelas 18h45, enquanto a multidão que se concentrou ao início da tarde na Alameda continuava a encher o Rossio, do palco ali montado foi lido um manifesto. Além das exigências atrás referidas, reclamou-se, entre outras medidas em relação à habitação, o fim dos despejos, desocupações e demolições sem alternativa que preserve o agregado na sua área de residência; a fixação do spread máximo do banco público e outras medidas de urgência semelhantes às assumidas durante a pandemia; o fim dos incentivos e isenções aos investidores estrangeiros e ao imobiliário de luxo, assim como a revisão das licenças para a especulação turística e a colocação de imóveis de grandes proprietários, incluindo do Estado, no mercado de arrendamento; a promoção da habitação pública, social e cooperativa de qualidade; a criação de alojamento estudantil e intervenção urgente para que ninguém abandone o Ensino Superior por falta de um tecto; o controlo dos preços nos sectores essenciais.
Assinale-se que as preocupações ambientais também ecoaram forte em intervenções da tribuna, acentuando o antagonismo entre o povo explorado que paga as consequências de um modo de produção irracional, o capitalista, e a elite que beneficia da depredação e esgotamento dos recursos naturais, comprometendo um futuro colectivo ambientalmente sustentável.
De resto, Luís Varatojo, que tal como «A Garota Não» e Lucas Argel, após as intervenções políticas, em Lisboa, juntou o seu canto ao protesto, foi convidado a actuar pelos activistas ambientais. Mas se não viesse cantar, viria na mesma manifestar-me, não apenas pelo futuro do planeta mas em solidariedade para com aqueles que reclamam uma casa para viver, afirmou ao Avante!.
O músico realçou que tem canções que falam de ambas as questões (habitação e ambiente). E um saber de experiência vivida em relação às dificuldades crescentes para assegurar uma casa para viver, já que, testemunhou, a sua filha e muitos dos seus colegas foram forçados a emigrar precisamente devido à impossibilidade de pagar, no seu País, uma habitação com o salário que auferem.
Governo e especuladores
mais isolados
Nas manifestações ocorridas em Lisboa e no Porto (esta da Praça da Batalha até à Rua Fernandes Tomás), o protesto adquiriu um carácter massivo. Mas não menos importante foi a sua expressão no Barreiro, Beja, Évora, Portalegre e Tavira, na manhã de sábado, e em Braga, Aveiro, Faro, Leiria, Coimbra, Vila Real, Viseu, Covilhã, Portimão, Lagos, Funchal, Samora Correia, Torres Novas e Alcácer do Sal, da parte da tarde.
Se na capital e na «invicta» não é demais relevar a participação de milhares de pessoas nas marchas vespertinas, nas concentrações, desfiles, tribunas públicas e outras acções realizadas de Norte a Sul, a participação popular saldou-se, em muitos casos, em centenas de pessoas. Evidência do crescente isolamento social do Governo em matéria de política de habitação, da insuficiência e limites das propostas que apresenta, que somente servem os interesses da banca e dos fundos imobiliários, como acusaram, Paulo Raimundo, durante a manifestação em Lisboa, e Bruno Dias, em declaração política na Assembleia da República (AR) na quarta-feira, 27 (ver caixa).