A História soa à voz de 150 mil operários

António Santos

Às vezes a História fala connosco através de sinais de fumo: o finíssimo fio que se vai quebrando ou a longínqua cor que progressivamente se afirma e define. Mas outras vezes há em que nos grita e sacode, anunciando-se aos que a julgavam terminada, apressando numa semana o que deixou por fazer num século, como agora mesmo nos EUA, onde, pela primeira vez em 88 anos, uma greve ameaça simultaneamente os três grandes da indústria automóvel.

«Não estamos aqui a brincar», sintetizou Shawn Fain, presidente do United Auto Workers (UAW). E não estavam mesmo: armado com o voto favorável de 97 por cento dos 150 mil operários que referendaram a greve, um requisito legal, o UAW já tinha avisado que, se não houvesse acordo, ela começaria no dia 15, data da caducidade de 23 contratos colectivos. Os patrões sabiam que a paralisação iria acontecer, só não sabiam em que fábricas. Era o início da «greve stand-up», uma espécie de jogo de batalha naval que se prolonga até hoje: em segredo, o patronato procurou antecipar as intenções do sindicato, preparando a cadeia para o encerramento de certas fábricas. O tiro não podia ter sido mais longe do porta-aviões: não só preparam o encerramento de fábricas que não foram atingidas, como transferiram a produção das fábricas que continuaram a laborar para outras que paralisaram, um entupimento que bloqueia toda a produção.

No total, são cerca de 13 mil operários em greve desde dia 15. Três fábricas atingidas, uma por cada gigante do sector: a unidade da General Motors em Wentzville, Missouri; a da Stellantis, em Toledo, Ohio, e a da Ford, em Wayne, Michigan. O UAW já avisou que se até sexta-feira não houver cedências dos patrões, mais fábricas juntar-se-ão à greve. E, uma vez mais, só se saberão quais são no próprio dia.

Em causa está a perda de rendimentos dos trabalhadores, cujo salário real é hoje menor do que há vinte anos. Na sequência do resgate destes gigantes falidos pelo Estado federal, com dinheiros públicos, os trabalhadores assumiram os sacrifícios para os patrões poderem continuar a acumular lucros salomónicos. A remuneração dos presidentes executivos aumentou, em média, 40% este ano, aumentos que agora negam a quem gera toda a riqueza. Na realidade, os trabalhadores apenas exigem aumentos de 36%, o fim da desigualdade contratual entre mais antigos e mais recentes e a semana das 32 horas, para além da restituição, a todos, do direito à pensão de reforma e ao seguro médico. Não espanta, portanto, que, segundo a Gallup, 75 por cento dos estado-unidenses apoiem a greve.

A táctica do UAW não é, contudo, consensual. Muitos defendem que em vez da greve stand-up, em que mais fábricas e trabalhadores se vão somando, uma greve simultânea dos 150 mil operários fosse mais eficaz. Aos entupimentos causados pelas greves cirúrgicas, os patrões respondem com o lay-off, que é também coberto pelo fundo de greve do UAW. Actualmente, este fundo é de 825 milhões de dólares e cada trabalhador em greve ou em lay-off recebe 500 dólares por semana. Se todos entrassem em greve, o fundo evaporar-se-ia rapidamente. Ou seja, o instrumento da luta condiciona a táctica e a estratégia.

Independentemente das formas e dos meios, a luta de classes nos EUA ganha tracção, acelera, toma contornos. Ninguém vivo se lembra de nada assim. Já não são só sinais de fumo: são 150 mil operários que gritam «greve!». É deles a voz da História que já se anuncia.




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