Cerromaior de Manuel da Fonseca
Os dias limpos, largos e justos chegarão
Neste romance primeiro de Manuel da Fonseca é a figura ditatorial do senhor da Casa Vã e a miséria geral dos que trabalham a terra, que estabelecem os traços épicos da acção, em dialéctica assunção de contenda, projectando o seu orgânico simbólico muito para além do espaço concentracionário da vila.
Adriano a crescer, a tomar consciência, como homem e cidadão, do mundo que o cerca. A entender os mecanismos da miséria, as vergonhas e as injustiças praticadas pela classe a que pertence, a intuir, na sua aparente apatia, ser necessário tomar partido, estremecer a paz podre da vila. É emblemático e plenamente significativa no discurso de Fonseca, o simbolismo da prisão, que abre e fecha o romance. Que outras prisões existem, porventura mais cruéis e duras de roer, que aquele espaço de grades e enxergas puídas do catre da vila: a fome, o trabalho escravo nos campos de sol-a-sol, o desemprego, a ignorância, a humilhação: Vila de Cerromaior,/a uns, vida; outros mortalha:/és a mãe de gente rica/madrasta de quem trabalha.
Do romance de Manuel da Fonseca sobrelevam personagens que são marcos incontornáveis da nossa melhor novelística do pós-guerra civil de Espanha: o senhor de Alba Grande e sua usura, Doninha, dobrado pela angústia da miséria e da doença até à loucura, pulhas, pulhas! ; Zé da Água, que o autor transportará para o seu poema Mataram a Tuna!; Adriano a tomar consciência da sua condição, a solidarizar-se com o campo social a que, por origem, não pertence, na sua ambivalência afectiva e ideológica, a saber da violência de que os seus são capazes, obreiros amorais da opressão, sabendo-se igual aos oprimidos, dado que o pai morreu carregado de dívidas e ele não passa de um ex-terratenente, daí a sua luta com a Guarda, permitindo a fuga do ceifeiro Toino Revel, vítima da prepotência de seu primo Carlos Runa; o Bolota, Aninhas a perder-se na taberna do Brissos; a dignidade dos ceifeiros de Fonte Velha a quererem libertar-se da sua servidão.
Como em toda a literatura saída dos autores da 1.ª geração neo-realista, enfrentando o estupor da repressão, persiste o sentimento de que os dias limpos, largos e justos chegarão, e que uma nova ordem política e social é possível – constante paradigmática do discurso realista.