Níger, sinais dos tempos

Ângelo Alves

Há um real sentimento contrário ao papel dos EUA e das ex-potências coloniais

Os acontecimentos do Níger na sequência do Golpe de Estado do passado dia 26 de Julho são demonstrativos de várias tendências que no plano mundial e regional africano se acentuam. O Mundo está a mudar na frente dos nossos olhos e África não é excepção, bem pelo contrário.

Depois do Mali, do Burkina Faso, da Guiné-Conacri e do Chade, o Níger é a mais recente alteração de poder por via militar na região da África Ocidental e Central. Todos têm um traço comum: um real sentimento contrário ao papel dos EUA e das ex-potências coloniais (especialmente a França) e à presença militar estrangeira.

O Níger tem importantes riquezas naturais. Teria condições para ser um país desenvolvido. Não é assim. 41% do seu povo vive abaixo da linha da pobreza da ONU, só 11% têm acesso a saneamento básico e 80% não tem acesso a electricidade.

A razão é conhecida. Tal como em muitos outros países africanos, a independência do Níger foi acima de tudo formal. França, EUA, Alemanha, Canadá são alguns dos países que ali têm instaladas multinacionais que exploram e vendem as riquezas do país e que sustentam elites nacionais que vivem em opulência fruto de uma corrupção sistémica. O Níger vive na prática sob uma tutela económica, financeira e… militar. É ali que os EUA têm uma das suas mais importantes bases de Drones, com cerca de 1000 militares estacionados e a França 1500. Aliás, o aumento da presença militar francesa terá sido o “clique” que originou os acontecimentos. O presidente deposto, Mohamed Bazoum, considerado um “democrata” pelo “ocidente”, anunciou a decisão de acolher os militares franceses expulsos do Burkina Faso e do Mali, contrariando a opinião dominante da população e violando a constituição, uma vez que não consultou o parlamento.

O caso do Níger, a importância que este país tem no sistema neocolonial euro-atlântico, fez soar as campainhas de Paris a Washington. São visíveis as dificuldades em manter os sistemas de domínio económico montados após as independências. A consciência de que a presença ou intervenção militar dos EUA ou da União Europeia apenas serve a protecção “dos interesses” do imperialismo e para alimentar o “jihadismo” que diz combater, alarga-se. Mas nada disto é assim tão novo. Essa consciência já existia por exemplo em 2011 quando da invasão e destruição da Líbia que alimentou e alimenta o terrorismo na região. A diferença para os dias de hoje é que em África começam a ser visíveis soluções de relacionamento económico e político que não passam obrigatoriamente pela aceitação dos diktats e chantagens dos EUA e da União Europeia, mesmo que tal realidade seja ela própria plena de contradições. E é por isso que EUA e União Europeia activaram os instrumentos de que ainda dispõem para tentar inverter os acontecimentos no Níger. A CEDEAO, controlada por Washington e Paris, e presidida pelo “obediente” presidente da Nigéria, ameaçou com uma intervenção militar no Níger. Mas a reacção de vários estados da região, com destaque para o Mali, a Burkina Faso, a Guiné-Conacri e a importantíssima Argélia, entre outros, como por exemplo Cabo Verde, impediu, até ao momento, e apesar de algumas provocações já em território do Niger, que tal tenha acontecido, demonstrando que de facto algo está a mudar em África.




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