A Nueva Trova – O Cantar da Revolução

Manuel Pires da Rocha

A Nova Trova en­volveu-se na cons­trução da «nova cons­ci­ência» re­vo­lu­ci­o­nária

O grupo Buena Vista So­cial Club, criado em 1996 por um pro­dutor mu­sical bri­tâ­nico e fil­mado por Wim Wen­ders, re­velou ao «oci­dente» o que há muito existia já: a en­can­ta­dora mú­sica cu­bana de raiz po­pular, en­tre­tanto de­vol­vida numa so­ci­e­dade so­ci­a­lista que mul­ti­plicou es­colas de artes e de­cretou o acesso livre à cul­tura. Buena Vista So­cial Club terá aberto um pos­tigo de di­ver­si­dade na uni­for­mi­dade so­nora dos pro­dutos di­ri­gidos às grandes au­di­ên­cias, mas o mais en­tu­si­as­mante foi ter mos­trado ao mundo uma so­no­ri­dade que se provou fazer falta à sin­fonia dos povos.

Re­fere o jor­na­lista Ca­talão Ma­nuel Váz­quez Mon­talban que «as re­vo­lu­ções mo­dernas, desde a Fran­cesa à ‘re­vo­lução par­la­men­tar’ chi­lena do go­verno da Uni­dade Po­pular ou a dos Cravos por­tu­guesa, vi­eram acom­pa­nhadas de uma ex­plosão de cri­a­ti­vi­dade de de­si­gual du­ração, mas que pu­deram marcar as pautas do fu­turo mo­di­fi­cando o pa­tri­mónio cul­tural e fi­xando uma nova cons­ci­ência».

A Re­vo­lução Cu­bana faria jus à regra da ex­plosão ar­tís­tica nas re­vo­lu­ções po­pu­lares pro­gres­sistas. O mo­vi­mento da Nueva Trova, in­for­mal­mente nas­cido da Casa de las Ame­ricas e her­deiro da Trova Tra­di­ci­onal, iria, pois, en­volver-se na cons­trução da «nova cons­ci­ência» re­vo­lu­ci­o­nária. Iria mais longe. O mo­vi­mento ini­ciado por Sílvio Ro­drí­guez, Pablo Mi­lanés, Vi­cente Feliú, Leo Brouwer e Noel Ni­cola viria a ins­crever-se na pri­meira linha do com­bate ao im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano, numa Amé­rica em pro­cesso de eman­ci­pação.

 

Mon­cada – de chispa re­vo­lu­ci­o­nária a verso de poema can­tado

Em 26 de Julho de 1953 – fez agora se­tenta anos – 166 re­vo­lu­ci­o­ná­rios cu­banos, di­ri­gidos por Fidel Castro, ata­ca­riam o quartel-ge­neral Mon­cada, em San­tiago de Cuba, e o quartel de Cés­pedes, com o ob­jec­tivo de neu­tra­lizar aqueles im­por­tantes postos mi­li­tares do re­gime de Ful­gêncio Bap­tista. Foram mortos em com­bate, ou pos­te­ri­or­mente as­sas­si­nados, seis de­zenas de re­vo­lu­ci­o­ná­rios.

Os re­latos de Mon­cada aguar­da­riam o triunfo da re­vo­lução cu­bana para se con­ver­terem em can­ções. Como aquela em que, com so­no­ri­dade da Trova Tra­di­ci­onal, Carlos Pu­ebla afirma que «La con­ci­encia y el valor / triun­faron sobre el ayer / y desde aquel mismo ins­tante / para no­sos­tros, si­empre es 26». «Si­empre es 26», seria também o tí­tulo da canção do mú­sico da Nueva Trova Martin Rojas, que Omara Por­tu­ondo cantou - ainda o Buena Vista So­cial Club vinha longe –, di­zendo «Le­vanta la frente, y ve que aquel llanto es el mismo / tus campos, ciu­dades, mon­tañas y vi­ejos ca­minos; / de­ci­dido, el hombre quebró la ma­dru­gada, / y el arma del pu­eblo ir­rumpe en el Mon­cada. / Se hace la luz, es 26». Mon­cada seria ainda o tema de «Qué Hay», de Noel Ni­cola, e de «El pro­grama del Mon­cada», de Sara Gon­zález, entre muitas mais can­ções.

Mas seria Sílvio Ro­dri­guez quem le­varia mais longe a ce­le­bração ar­tís­tica de Mon­cada. A «Can­ción del Ele­gido», de­di­cada a Abel San­ta­maría, um dos jo­vens már­tires do as­salto ao Quartel Mon­cada, conta a his­tória be­lís­sima de «un ser de outro mundo, / de un animal de ga­láxia». Todo o poema é uma me­tá­fora da acção do re­vo­lu­ci­o­nário cons­ci­ente de uma guerra que «Era la paz del fu­turo». Sílvio não dará final à his­tória, como final não en­con­trará no poema da vida de San­ta­maría. O me­lhor será mesmo partir à pro­cura da «Can­ción del Ele­gido» numa qual­quer pla­ta­forma de di­vul­gação mu­sical, ali onde se per­ce­berão, nos passos de Abel, os passos da Cuba mesma dos nossos dias: «La úl­tima vez lo vi irse entre el humo y me­tralla / Con­tento y des­nudo / Iba ma­tando ca­nallas con su cañón de fu­turo».




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