De Grândola, um apelo para o mundo: «Dêem uma oportunidade à paz!»

Assinalando o 40.º aniversário do Festival «Dêem uma Oportunidade à Paz», que se realizou na Praia do Carvalhal, em Grândola, entre 25 e 30 de Julho de 1983, a Plataforma pela Paz e o Desarmamento, que reúne associações juvenis, estudantis, de movimentos pela paz e contra a Guerra, promoveu em Melides, Grândola, entre 21 e 23 de Julho, o acampamento «Dêem uma Oportunidade à Paz».

Cada euro que vai para a guerra é um euro que falta na educação, na saúde, nos transportes públicos ou na cultura

Ao todo foram 36 as associações que subscreveram, participaram e ajudaram a construir o acampamento, afirmando os valores da Paz, do progresso social, da solidariedade e da cooperação entre os povos do mundo. Os participantes, estudantes e trabalhadores, dirigentes e activistas associativos, vieram de todo o País. À medida que iam chegando, ao final da tarde de sexta-feira, registavam-se e montavam as tendas, matavam saudades dos amigos que há muito não viam, juntavam-se para comer alguma coisa.

Na noite desse primeiro dia realizou-se o espectáculo comemorativo do Festival «Dêem uma oportunidade à paz», que juntou milhares de pessoas para assistirem aos concertos de Ruth Marlene, Pedro Mafama e Bateu Matou. Comprovando-se assim, uma vez mais, que música e cultura são instrumentos fundamentais para a projecção dos valores da paz, da solidariedade e da cooperação. Mas ainda antes da música, que entusiasmou a vasta plateia, realizaram-se as intervenções de José Pinho, Secretário-Geral do Projecto Ruído; Bruno Mateus, presidente da Junta de Freguesia de Melides; e António Figueira Mendes, presidente da Câmara Municipal de Grândola.

O primeiro, em nome da Plataforma, denunciou que em todo o mundo se «intensifica a exploração dos povos, a negação dos seus direitos, o saque dos recursos naturais e o desrespeito pela sua soberania». Destacando as consequências da guerra e da ingerência, os mortos, os feridos, a fome, a pobreza, os refugiados e a degradação do ambiente, reiterou que a juventude e os povos «precisam é de paz» e que construir essa paz é «cumprir a Constituição da República Portuguesa» e os valores de Abril.

Já Bruno Mateus afirmou que é preciso acabar com as guerras e ingerências, salientando os efeitos da guerra, que afectam sobretudo as populações e as crianças de todo o mundo, como se comprova desde logo com o brutal aumento do custo de vida que se faz sentir neste momento no quotidiano de milhões de portugueses. António Figueira Mendes, por seu lado, reclamou o património do Festival realizado no concelho 40 anos antes, e garantiu ter sido com um «grande orgulho» que a autarquia a que preside aceitou o desafio das muitas organizações que constituem a Plataforma pela Paz e o Desarmamento para ali receber o acampamento «da paz, da liberdade e da fraternidade». O autarca reafirmou ainda que «podem contar com Grândola para alcançarmos a paz».

Desporto, cultura, arte, convívio
Ao longo dos restantes dois dias, o acampamento contou com um preenchido programa de actividades, que se dividiram fundamentalmente entre o recinto do acampamento e a praia de Melides. Entre elas contam-se a pintura de um mural em defesa da Paz, no centro de Melides, a visita ao Núcleo Museológico da Olaria de Melides (último testemunho da actividade oleira na região), diversos torneios desportivos e momentos de convívio e animação.

No sábado, a praia de Melides foi palco de uma acção de solidariedade com a Palestina, denominada «Swim with Gaza» (nadar com Gaza), promovida pelo Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e a Paz no Médio Oriente, uma das organizações que integra a plataforma. Desde 2007 que o povo de Gaza está preso, sem acesso a parques, montanhas ou vales, sendo o mar o único espaço a que têm acesso para diversão. Aproveitando o Festival de Natação que todos os anos se realiza na praia de Gaza – e que este ano se realizará no dia 26 de Agosto – têm ocorrido acções de solidariedade pelas praias de todo o mundo, nomeadamente em Melides.

Sustentando uma faixa, bandeiras e pancartas, e ao som da palavra de ordem Palestina Vencerá!, foram muitos os jovens que mergulharam no mar da costa alentejana para simbolicamente reivindicar a liberdade para a juventude e para o povo da Palestina.

A tarde de sábado terminou com um desfile pelas ruas de Melides, onde centenas de jovens reivindicaram o fim da guerra e da confrontação, das sanções e dos bloqueios, e exigiram o desarmamento geral e simultâneo, a dissolução dos blocos político-militares, e direitos para a juventude de todo o mundo.

Construir a paz
O último dia do acampamento «Dêem uma oportunidade à paz» ficou marcado pelo debate com o mesmo lema. Participaram como oradores José Pinho, do Projecto Ruído, Gonçalo Paixão, da Interjovem, Julie Neves, do Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC), Joana Botas, do Movimento Democrático de Mulheres (MDM) e Jorge Cadima, do MPPM.

As diversas intervenções proferidas, a partir da mesa ou da vasta plateia, resultaram num debate frutífero sobre as causas da guerra e as soluções para a construção da paz, em que se apontou o dedo aos EUA, UE e NATO pela escalada da guerra, da confrontação, dos bloqueios e ingerências, de que são vítimas os povos do Médio Oriente (particularmente da Palestina), de Cuba, da Venezuela ou do Sara Ocidental.

Chamou-se a atenção para o contraste existente entre os problemas concretos enfrentados pela juventude de todo o mundo – ao nível do trabalho, da educação, da habitação, da cultura, do desporto, da saúde – e as despesas militares crescentes, realidade que se sente também em Portugal. Denunciou-se igualmente que o aumento do custo de vida, os baixos salários, a precariedade, a degradação da Escola Pública estão ligados à instigação da guerra e à escalada armamentista, utilizadas pelos grandes grupos económicos para agravar a exploração.

Uma ideia muito presente em todo o acampamento foi sublinhada no debate: cada euro que vai para a guerra é um euro que falta na educação, na saúde, nos transportes públicos ou na cultura.

O debate, espelho dos três dias de acampamento, assumiu especial relevância não só pela grande participação, como também pela afirmação da parte dos muitos jovens presentes de que é possível um caminho diferente, que não passe pela guerra e pela destruição, um caminho baseado nos valores da paz e solidariedade. Uma paz que implica bem mais do que a mera ausência de guerra e que passa pela construção de um mundo de progresso e justiça social, amizade e cooperação. Os jovens destacaram como fundamental o alargamento da luta pela paz e salientaram o artigo 7.º da Constituição da República Portuguesa como instrumento importantíssimo para esta luta no nosso País.

De regresso às suas casas, as centenas de jovens ali presentes trouxeram boas memórias e determinação reforçada para prosseguir o combate por um mundo melhor – que é também pelo seu direito ao presente a ao futuro.

 



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