Que desporto temos? Que desporto queremos?
O jogo físico é essencial para o desenvolvimento integral da criança
O jogo constitui um dos «alimentos» fundamentais para o desenvolvimento integral e sadio da criança em qualquer momento da sua existência. A ciência comprovou que sem a possibilidade de exercitar diariamente o corpo de forma significativa, através da actividade motora, a criança não desenvolve todas as suas potencialidades, nem encontra resposta para as necessidades do seu desenvolvimento pleno.
O jogo de carácter motor – ou seja, aquele em que o movimento assume uma importância determinante – tem sido desclassificado, e até hostilizado, dentro do processo educativo. Se ainda há algumas décadas as crianças de diferentes idades encontravam espaços dentro da comunidade para poderem jogar livremente, no presente essas possibilidades praticamente desapareceram. Para isso concorreram as características do urbanismo especulativo e uma concepção de educação que continua a não respeitar a criança sob todos os as aspectos da sua personalidade.
Desta forma, o ser em crescimento ficou submetido a uma carga horária escolar verdadeiramente absurda e a não encontrar espaços junto da sua habitação para poder jogar. A criança passou a ficar confinada dentro de casa, dedicando a maioria do seu tempo livre aos jogos de computador e, na escola, as exigências crescentes das aprendizagens limitaram seriamente todos os momentos em que podia exercitar-se. No presente, as crianças levam uma vida cada vez mais intensamente sedentária, com todas as consequências negativas para o seu desenvolvimento.
O jogo e o corpo da criança sempre foram mal compreendidos dentro do processo educativo no nosso país. O jogo foi sempre segregado na escola porque era identificado com falta de seriedade, perda de tempo e pura brincadeira. Ora, não se ia à escola para brincar, mas para aprender a ser um homenzinho ou uma mulherzinha. Por seu lado, o corpo foi sempre olhado com desconfiança, como algo que deveria ser disciplinado e controlado nas suas expressões mais naturais.
A espontaneidade e a naturalidade com que a criança se dedica ao jogo de carácter motor faz com que ele seja entendido como uma actividade simples, sem consequências de maior na sua vida. Inclusivamente o seu carácter algo desordenado e excessivo, por vezes comparado incorrectamente com a brincadeira dos animais, leva os adultos a procurarem limitar a sua expressão.
Trata-se de uma ideia falsa, que muito prejudica o desenvolvimento das crianças. De facto, o jogo, e em especial o de carácter motor, em que a totalidade do corpo é solicitada, constitui uma experiência complexa em que se exprimem em simultâneo a actividade cognitiva, a dinâmica afectiva, a aprendizagem da relação com o outro, a resposta a necessidades fundamentais do desenvolvimento global e à integração social.
Estas são as qualidades desenvolvidas pelo jogo motor já conhecidas há muito. Porém, nos últimos 30 anos, as novas neurociências vieram demonstrar experimentalmente, que esta actividade é essencial para o desenvolvimento do próprio cérebro e para a melhoria da actividade cognitiva.
Infelizmente, no presente há ainda muitos que identificam o jogo infantil como uma actividade estruturalmente competitiva idêntica à do designado «desporto de competição». Trata-se, de facto de mais um preconceito que impede a presença das diferentes formas de jogo motor orientado dentro do processo educativo infantil. Todavia pergunta-se: que tem a ver esta prática lúdica com o desenvolvimento desportivo? É legitimo defender que o desporto entre na vida da criança durante a sua actividade escolar inicial?
Evidentemente que o que está em causa é a concepção que se defende de desporto: de facto, a prática da actividade desportiva competitiva e selectiva, visando constituir a «base» da pirâmide, não é aceitável dentro das escolas do 1.º Ciclo do Ensino Básico. Porém, o jogo motor é parte integrante da visão do desporto para todos e deve concretizar-se diariamente devidamente orientada dentro da escola, devendo ser completada pela actividade no tempo livre, junto das habitações. É nessa perspectiva que ele é não só factor fundamental do desenvolvimento infantil integral, como constitui um elemento decisivo para a elevação das capacidades motoras indispensáveis para o aperfeiçoamento motor essencial para a expressão desportiva futura.
Desta forma, é fácil compreender o erro educativo de que estão a ser vítimas as crianças do nosso país.