A propósito de mais um aumento de preços nas telecomunicações
A resposta às consequências da liberalização das telecomunicações é a socialização do sector, construindo um serviço público de telecomunicações
Confrontados com as consequências das liberalizações, os neoliberais têm sempre a solução à mão: mais liberalização. Prometeram preços mais baixos e eles aumentaram? Se liberalizarmos mais eles vão começar a descer! Prometeram um maior e melhor acesso, e ele vai-se restringindo à procura solvente? Se liberalizarmos mais, ele será universal e de qualidade. Prometeram um mercado de trabalho ágil, dinâmico e bem remunerado, e com excepção dos administradores, o que existe é cada vez mais precariedade, mais subcontratação, mais tempo de trabalho por menos remuneração? Se liberalizarmos mais seremos todos nómadas digitais a viver nas Caraíbas e a trabalhar cinco minutos por mês. E como controlam a comunicação social, têm essa imensa facilidade de, a um povo à beira do abismo, apontar que o caminho é seguir em frente com toda a confiança.
Os desenvolvimentos desta semana nas telecomunicações são disto mesmo paradigmáticos. Entravam em vigor os aumentos de 7,8% que todas as operadoras decidiram aplicar. Um aumento completamente cartelizado, com as operadoras a nem sequer tentarem esconder essa articulação ilegal. Mas se a forma é ilegal, o aumento em si é um abuso completo e vai contribuir para a espiral inflaccionista que está a corroer salários, reformas e pensões.
A prova mais evidente que a inflação não aumentou significativamente os custos de produção está nos lucros recorde das operadoras de telecomunicações. Vejamos os lucros e resultados anunciados por estas empresas no terceiro trimestre de 2022: a Altice anunciou um crescimento de lucros de 7,6% (para 688 milhões) e de receitas em Portugal de 14,5% (para 1935 milhões); a NOS anunciou um aumento de lucros de 7% (para 128 milhões) e de receitas de 7,5% (para 1124 milhões) e a Vodafone anunciou um crescimento de 6,1% nas receitas (para 612 milhões).
As empresas, que exploram um bem público e fornecem um serviço essencial às famílias, ao Estado e às empresas, justificam este aumento com os «aumentos significativos nos preços da energia e das matérias-primas». Mas os seus custos de produção incluem, numa proporção muito significativa, despesas com salários e com a subcontratação de prestadores de serviço que estão estagnadas há muitos anos (e que só serão descongeladas pela luta dos trabalhadores, pois até agora as propostas de aumentos das patronais variam dos 0% aos 3%).
A ANACOM até tinha recomendado moderação no aumento de preços, considerando haver «razões económicas e sociais de relevo que deverão ser devidamente ponderadas pelas empresas do setor».(E devem-no ter sido, mas com o inevitável resultado de qualquer ponderação, numa empresa capitalista, entre as razões «económicas e sociais» e a possibilidade de aumentar lucros.) Mas no dia 1 a ANACOM acaba por revelar o quanto faz parte do problema: no dia dos aumentos, vem apresentar como solução a sua proposta de redução do período de fidelização. Ou seja, a solução é mais e melhor concorrência.
É verdade que as fidelizações são um abuso. Que elas não deveriam existir sequer, ou pelo menos deveriam ser severamente limitadas, e que tal só não acontece porque a Lei das Comunicações Electrónicas aprovada recentemente (e a que só o PCP se opôs) cedeu em toda a linha às operadoras e está cheia de alçapões por onde caem todas as belas promessas, como o «outras condições promocionais» no ponto das fidelizações.
Mas também é verdade que mesmo sem fidelização, como exercer a «liberdade» de escolha se todas as operadoras aumentaram 7,8% os preços? A resposta às consequências da liberalização das telecomunicações, é a socialização do sector, construindo um serviço público de telecomunicações assente numa empresa pública que organize a produção criando emprego de qualidade. A resposta é a ruptura com o caminho da contra-revolução, com a política de direita. Ainda e sempre.