PS e as resistências à mudança na GNR
É absurdo duplicar meios em forças de segurança depauperadas
Lusa
Num país onde as permanentes disputas por jurisdições se vão desenrolando em diversos palcos, nas áreas da administração interna e defesa nacional adquirem contornos particularmente preocupantes. No poder político reside responsabilidade pela manutenção de um clima pouco saudável. O que assistimos é a frequentes operações de cosmética conduzidas pelos sucessivos governos.
O edifício legal apresenta lacunas que permitem interpretações distintas quanto a alguns aspectos. No entanto, é bastante claro noutros. O que há frequentemente é falta de vontade de parte dos responsáveis envolvidos para mudar aquilo que foi sempre assim. Mesmo quando se desenham caminhos para a mudança, a resistência é tal que chega a atrasar em décadas processos que poderiam ser manifestamente mais céleres.
A GNR é «uma força de segurança de natureza militar» que «tem por missão, no âmbito dos sistemas nacionais de segurança e protecção, assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos» e que «depende do membro do Governo responsável pela área da administração interna i). Daí que se possa considerar natural que a tendência seja, há muito, para a perda do cariz militar da GNR e que se vá caminhando para a assunção clara da natureza policial e civil do seu papel. E é natural, portanto, que esse caminho passe pelo corte com as ligações ao Exército.
E para quem se possa assustar com o eventual perigo de perda de identidade da instituição e de uma «fusão» entre GNR e PSP, vale a pena realçar que, na missão que desempenha, a GNR tem muito mais que a una à PSP do que às Forças Armadas. Em boa verdade, o País só teria a ganhar com uma polícia única, eliminando sobreposições e podendo empenhar de forma mais racional o efectivo e os meios daí libertados. O absurdo está em continuarmos a duplicar meios em forças de segurança depauperadas.
A recente nomeação do novo Comandante Geral da GNR vem em linha com a opção do Governo PS, e seus antecessores, de não dar um passo no sentido de uma separação clara entre a GNR e respectivos cargos de chefia em relação às Forças Armadas. E condições para tal não faltam, a não ser capacidade para conduzir mudança efectiva. O resultado é a insistência até ao limite num completo anacronismo.
Em 1996 saem da Academia Militar os primeiros oficiais oriundos do curso de formação específico da GNR. Em 2007, o então MAI, António Costa, assumia que a «evolução normal da GNR» passa por «ter o seu quadro próprio de oficiais e libertar o Exército da oneração» e que «aconteceria pela normalidade das coisas dentro de treze anos»ii. Perante a opção de poder ter um oficial oriundo da Guarda a comandá-la, com toda a experiência operacional e entrosamento que transporta consigo, o MAI preferiu, como tem sido práctica corrente, indigitar um oficial-general oriundo do Exército, que está na GNR desde 2014. É caso para questionar se terá mais condições para comandar uma força policial com uma missão civil um militar da Guarda que fez toda a sua carreira nesta força de segurança ou um militar das Forças Armadas que integra a GNR há cerca de oito anos.
É também caso para questionar se não vão inventar mais um qualquer expediente para em próxima ocasião protelar o ascenso dos oficiais formados na GNR ao comando da mesma.
i) Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (2007)
ii) Entrevista a António Costa publicada no Jornal Expresso a 10 de Março de 2007