Que desporto temos? Que desporto queremos?

A. Melo de Carvalho

O desporto é uma actividade motora, mobilizadora integral do ser humano

Há uma exigência generalizada na opinião pública, de que se trate do desporto «a sério», ou seja, aquele em que se ganham medalhas, ou se metem golos espectaculares, ou se alcançam proezas formidáveis, etc. Trata-se de uma exigência salutar e positiva, mas é fundamental que se compreenda que, para o poder fazer de uma forma séria, é preciso deixar de criticar unicamente as consequências para se abordarem as causas. Por outro lado, é indispensável compreender os fenómenos que estão «por detrás» deste desporto «sério».

Por exemplo: porquê dar tanto ênfase ao que se passa com a educação física das crianças nos primeiros anos de escolaridade? É importante compreender que, apesar delas representarem o futuro, é precisamente por isso que se deve interrogar o seu presente. O «aqui e agora» das suas vidas. Entre outras coisas importantes, esse aqui e agora é feito de desrespeito pelos seus direitos como seres humanos «inteiros» e não como seres adultos em miniatura. As crianças são seres que têm necessidade de ser tratados com inteira dignidade para poderem desenvolver todas as suas potencialidades, e não como simples objectos manobrados em nome de interesses que lhes são alheios.

Isto significa que nos devemos interrogar profundamente em relação àquilo que queremos para elas no presente, pois é a única forma de construirmos o seu futuro.

Evidentemente que esta responsabilidade que cabe ao adulto hoje e aqui, interpela directamente o processo educativo em toda as suas componentes: em termos gerais, essa educação tem necessariamente que respeitar os seus direito. E desta atitude ressalta, de imediato, a imposição de colocar o ser em crescimento no centro das nossas preocupações. Ou seja, no centro do acto educativo.

A partir daqui desenrola-se um mundo de consequências que, no nosso processo educativo, são frequentemente (demasiadamente frequentemente) esquecidas, ignoradas e até atraiçoadas. A criança é um ser complexo e total. Quer dizer: tem as suas necessidades, desejos, inquietações e vontade. Como ser total não pode ser considerado como um ser duplicado em corpo e espírito, em que a razão está separada da afectividade, a sociabilidade da inteligência e a acção motora da sua consciência. Todos estes elementos integram uma unidade que se exprime de acordo com os estímulos que recebe e com a forma como os percepciona e interpreta.

Por outro lado, esta unidade possui uma dinâmica própria, em que todos estes elementos interagem sobre si próprios, construindo a própria personalidade de forma evolutiva, de acordo com a dinâmica da sua maturidade.

Acompanhando tudo isto, é indispensável tomar em consideração um outro aspecto da realidade: a educação tem lugar dentro de uma dada sociedade, que lhe impõe limites e exigências. Trata-se de saber se ambas respondem aos direitos e necessidades das crianças, ou se pelo contrário os viola e nega.

Que tem tudo isto a ver com o desporto? Tem tudo: antes do mais o desporto é uma actividade motora, mobilizadora integral do ser humano. Depende das respostas positivas ou negativas, o valor da sua prática. Além disso, esta actividade motora exerce efeitos fundamentais no desenvolvimento do indivíduo em todos os aspectos da sua personalidade. E, de acordo com as evidências obtidas pelas novas neuro-ciências, exerce um efeito altamente estimulador do desenvolvimento cerebral (desde que devidamente orientada a acção educativa).

Mas então para onde vai o tal desporto verdadeiro? A resposta que se pode fornecer é a seguinte: a infância constitui a primeira fase do desenvolvimento do ser humano num processo imparável em todos os momentos da existência (adolescência, juventude, idade adulta, envelhecimento). Naturalmente que este processo inicial vai ter efeitos mais ou menos intensos de acordo com a sua configuração (resultando da interacção entre o indivíduo e o meio, de acordo com os estímulos recebidos), no futuro da sua existência. Ou seja, o «desporto a sério», começa a ser construido nesta altura da vida e segue ao longo dela assumindo características próprias, momento a momento.

No caso que aqui nos interessa pergunta-se: a sociedade portuguesa deseja verdadeiramente crianças inteligentes, fortes e em boa saúde? Observando a realidade da vida infantil actual, a resposta não pode ser positiva. No entanto, a grande maioria dos discursos dos ministros de educação são altamente optimistas.




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