Dia nacional da água: denunciar mistificações, combater a mercantilização

Vladimiro Vale

As políticas públicas de água têm estado condicionadas ao favorecimento do negócio privado

Comemora-se, no dia 1 de Outubro, o dia nacional da água, num quadro muito marcado por uma ofensiva ideológica que visa apresentar a sua mercantilização como única solução. A colocação do ónus nos comportamentos individuais para justificar a mercantilização é um dos elementos que marca esta ofensiva ideológica e está bem presente nas intervenções e iniciativas apontadas pelo Governo.

É paradigmático que, perante uma situação de seca, a opção do Governo seja de designar de «grandes consumidores de água» quem utiliza 15 metros cúbicos por mês e omitir o papel dos grandes consumidores de facto, muitos deles beneficiários de isenções e reduções milionárias da taxa de recursos hídricos.

O ministro do Ambiente e da Acção Climática aponta o dedo aos ditos «grandes consumidores» para justificar a recomendação do aumento do preço da água em 43 municípios, mas não consegue esconder que, de facto, o problema está na falta de investimento. Lá vai dizendo que «temos por natureza territórios com barragens de menor dimensão e são aquelas que mais rapidamente acabam por ficar numa situação de maior necessidade em ano de seca». Ou seja, identifica um problema estrutural e responde com medidas conjunturais, atribuindo responsabilidades à natureza dos territórios e aos consumidores domésticos e não à falta de investimento, num quadro em que, tal como o PCP tem denunciado, os sucessivos governos têm adiado investimentos – barragens, albufeiras, obras hidroagrícolas – indispensáveis à captação das águas de superfície para assegurar o abastecimento regular, facilitar a reposição dos lençóis freáticos e assegurar os caudais ecológicos essenciais à salvaguarda ambiental.

Não desvalorizando o papel da sensibilização das populações para o uso racional da água, não se pode deixar de identificar que o carácter de classe desta e de outras medidas é notório, avançando mesmo com acções sancionatórias e apontando outras que visam «serviços públicos, como escolas, hospitais ou recintos desportivos».

Por uma estratégia nacional

Fazendo o mal e a caramunha, os sucessivos governos PS, PSD e CDS têm condicionado os investimentos no sector à estratégia de favorecimento do negócio, utilizando os fundos comunitários como elemento político de chantagem para forçar a agregação dos sistemas de água, utilizando depois os problemas criados para justificar avançar no caminho de privatização e de privilégio do negócio em detrimento do controlo democrático da gestão da água, afunilando em linhas de aumento dos preços da água, bem presentes na actuação da entidade reguladora a procurar impor em todo o País tarifários para o nível já praticado por algumas empresas privadas, obrigando as autarquias que não privatizaram a impor aos munícipes a factura dos negócios alheios.

Tal como o PCP tem vindo a propor, é urgente o desenvolvimento de uma Estratégia Nacional de Garantia de Segurança Hídrica que passe pelo investimento público, pela recusa da mercantilização da água, pelo controlo público dos recursos hídricos, por mais meios públicos para gerir, monitorizar e planificar a gestão de recursos hídricos e para avançar com investimentos há muito adiados.

 



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