Atlantis
Donovan é um músico pop que sempre cantou a liberdade, a paz, a utopia
Donovan (Donovan Phillips Leitch) é um cantautor nascido na Escócia em 1946. Quem o conhece, quer-se dizer: quem ouviu (ou ouve) cantigas suas, dirá, dele, que é um músico pop, um baladeiro anglo-saxónico que ficou conhecido por canções como Catch the Wind, Colours, Mellow Yellow ou Atlantis (Atlântida), o que é, declaradamente, verdade. Importa acrescentar que se integrou perfeitamente na contra-cultura que emergiu nos anos 60 do século passado e se manifestou, com grande assertividade, nos meios intelectuais, artísticos e estudantis e que encontrou nas canções um meio bastante eficaz de se dar a conhecer e nelas se projectar.
Tratava-se de ir contra o establishment, de contestar o sistema, de protestar, de dizer make love, not war (façam amor, não a guerra). Dois grandes objectivos iniciais, aos quais outros se seguiram ou se lhes juntaram: o desarmamento nuclear e a oposição à guerra do Vietname. Mas as questões da Liberdade e da Paz, quer se tratasse de defender o «amor sem fronteiras» ou os direitos cívicos dos negros norte-americanos, foram o detonador desta «revolução» de costumes e de mentalidades que os tais anos 60 empreenderam, com resultados díspares, sem dúvida, mas ficando para a História como um grande alerta e, sem sombra de dúvida, como uma época que, de si própria, pode dizer: depois de nós, nada foi como antes.
Como sempre, a canção, quando adulta e responsável, esteve no cerne da questão. Muitas vezes com ingenuidade, muitas outras com grande discernimento, de vez em quando como metáfora. Donovan – porque é dele que falamos – pode ser considerado um lírico, mas não um ingénuo. Referir o seu relacionamento com Joan Baez, Bob Dylan e, principalmente, com Pete Seeger (tocou banjo no disco Colours, o que quer dizer alguma coisa…) pode ajudar-nos a perceber alguns dos caminhos que percorreu.
Em Colours, Donovan relaciona a liberdade com o amor, por exemplo. E em Atlantis conta-nos uma longa estória, em forma de poema, na qual refere a grande civilização que terá sido a Atlântida, com seus valores superlativos, que os velhos (do Restelo) se obstinam em não ver, terminando a canção por dizer: way down, below the ocean, where I wanna be, she may be (ela pode estar no fundo do oceano, que é onde eu quero estar). É a grande canção/metáfora: Donovan a dizer-nos que só nessa Atlântida da nossa utopia poderemos re-encontrar o amor. Ou seja, um manual da contra-cultura dos anos 60: desejar estar na Atlântida é querer realizar os nossos sonhos de amor e de felicidade.
Não será difícil interpretar aqui as aspirações de uma geração adepta da contra-cultura, contestatária do sistema, defensora da felicidade e da Paz. Passaram muitos anos mas houve então, e continua a haver, quem, a todo o custo (e vê-se isso claramente nos dias conturbados que vivemos), não queira, por nada deste mundo, que queiramos alcançar o lugar onde moram os nossos maiores desejos.
É bom re-ouvir Atlantis.