Verde sujo

Anabela Fino

Se um destes dias nos vierem dizer que a Terra é plana, a Lua hexagonal e o Sol um carro de fogo que corre no firmamento dirigido por um cientista louco, não há motivo para duvidar, a menos que se queira fazer parte – vá de retro, satanás – da escória descrente das virtudes do sistema capitalista e do regime dito democrático que nos rege.

Na sua dinâmica própria da incessante busca de lucro e permanente acumulação de riquezas pode suceder, contingências da vida, que o branco de ontem seja preto hoje, que terroristas passem a combatentes da liberdade, que a precariedade seja afinal sinal de prosperidade, que o desemprego signifique justiça social, só para dar alguns exemplos, que a questão dá pano para mangas.

A mais recente reviravolta – façam rufar os tambores, sff – é “Abaixo o CO2, viva o nuclear!”.

Dito de outra forma, o nuclear é verde, decidiu há dias o Parlamento Europeu, secundando uma proposta da Comissão Europeia para o classificar como energia limpa ou sustentável, alegadamente em nome da defesa do meio ambiente. De uma penada, Bruxelas promete pôr fim ao eterno debate sobre o nuclear, sendo de esperar para breve a campanha sobre os seus benefícios: a maioria dos reactores nucleares emite apenas vapor de água para a atmosfera, é limpinha, não enche os ares de dióxido de carbono, nem metano, nem nenhum dos gases poluentes provocados pelos combustíveis fósseis, e ainda por cima é barata, praticamente inesgotável e rende milhões.

Nas actuais circunstâncias de domínio desta tecnologia, incluindo no nosso país, o busílis da questão, impossível de varrer para debaixo do tapete, é o lixo. Pois é, o lixo produzido pela energia nuclear é extremamente perigoso para a saúde pública e para o meio ambiente, já que os resíduos radioactivos são altamente poluentes, mortais e levam milhares de anos a degradar, o que torna a sua gestão particularmente difícil e arriscada. E também as questões de segurança, de que os acidentes registados nas centrais de Three Mile Island nos Estados Unidos, Chernobyl na antiga União Soviética ou Fukushima no Japão são apenas três exemplos do que pode acontecer.

Nada que pareça perturbar a senhora Von der Leyen e os seus pares, que nesta caminhada “ecológica” também passaram alforria ao gás natural, combustível fóssil que produz emissões de efeito estufa, reconvertido em energia limpa, verde que te quero verde....

Ao contrário do que possa parecer não se trata de um delírio fruto da vaga de calor, nem um efeito da guerra na Ucrânia, de costas tão largas que “explica” tudo. O processo vem de longe, como prova o caso francês: eleito pela primeira vez com a promessa de acabar com o nuclear, Macron promete agora gastar mil milhões de euros até 2030 em “inovação disruptiva” para produzir energia atómica.

Quem não entender a lógica, ou é daltónico ou não percebe nada de política.



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