Baixam os salários, mas sobem as taxas de juro. Será possível?
Aumento de salários e controlo de preços são a resposta que se impõe à subida das taxas de juro
A subida dos níveis da inflação nos diferentes países da União Europeia e da Zona Euro ao longo do segundo semestre do ano passado, fez com quea inflação atingisse um valor médio de 5 por cento no final de 2021, na União Europeia.
Preocupado com estes níveis de inflação, o Banco Central Europeu (BCE) anunciou a 16 de Dezembro de 2021, o fim do programa de compra de activos para combater a emergência pandémica, com efeitos a partir de Abril de 2022 e, em Abril de 2022, o fim do programa de compra de activos, com efeitos a partir de Julho do corrente ano. Tal bastou, para que as taxas de juro das dívidas soberanas dos países da Zona Euro, iniciassem um caminho de subida e para que as taxas Euribor também elas começassem a subir.
Depois de sete anos em que a Euribor a 12, seis e três meses, taxas de referência utilizadas nos empréstimos bancários contraídos pelas famílias para a compra de habitação, se mantiveram com taxas negativas, desde o passado mês de Abril a Euribor a 12 meses entrou em terreno positivo, no passado dia 6 de Junho o mesmo sucedeu com a Euribor a seis meses e tudo leva a crer que nos próximos dias o mesmo sucederá com a Euribor a três meses.
Com as subidas abruptas destas taxas que, acrescidas do spread (livremente definido pela instituição de crédito para cada contrato, tendo em conta, designadamente, o risco de crédito do cliente) determinam a taxa efectiva suportada pelas famílias nos empréstimos à compra de habitação, um novo período de agravamento considerável das prestações bancárias se avizinha para muitos milhares de famílias portuguesas.
De acordo com os resultados dos Censos à População e Habitação, já divulgados pelo INE, referentes a 2021, o número de alojamentos familiares, residência habitual e propriedade do ocupante, com encargos financeiros, eram no ano passado 1 112 954, pelo que será pelo menos desta ordem de grandeza o número de famílias que verão nos próximos meses as suas prestações ao banco subir.
Impactos diferenciados
Claro que o impacto da subida da Euribor nos seus vários prazos não será o mesmo para cada agregado familiar, ele variará de acordo com os montantes em dívida, mas ainda de acordo com a informação disponibilizada pelo INE, o encargo mensal suportado pelos agregados familiares com o crédito à habitação é hoje superior a 200 euros para cerca de 914 mil agregados, a 300 euros para cerca de 593 mil agregados, a 400 euros para 326 mil agregados e a 650 euros para cerca de 96 mil agregados familiares.
Cálculos efectuados pela DECO no final do mês passado, considerando contratos de crédito à habitação com spread de um por cento e Euribor a seis meses, mostram-nos que:
1) Num empréstimo de 100 mil euros a 30 anos, o impacto na prestação média mensal das variações da taxa Euribor a seis meses é o seguinte:
-
Prestação média no final de Maio passado com Euribor a -0,1444: 315,07 euros;
-
Prestação média com Euribor a 0 por cento: 321,64 euros;
-
Prestação média com Euribor a um por cento: 369,62 euros;
-
Prestação média com Euribor a dois por cento: 421,60 euros.
2) Num empréstimo de 150 mil euros a 30 anos, o impacto na prestação média mensal das variações da taxa Euribor a seis meses é o seguinte:
-
Prestação média no final de Maio passado, com Euribor a -0,1444: 472,60 euros;
-
Prestação média com Euribor a 0 por cento: 482,46 euros;
-
Prestação média com Euribor a um por cento: 544,43 euros;
-
Prestação média com Euribor a dois por cento: 632,41 euros.
3) Num empréstimo de 200 mil euros a 30 anos, o impacto na prestação média mensal das variações da taxa Euribor a seis meses é o seguinte:
-
Prestação média no final de Maio passado com Euribor a -0,1444: 630,14 euros;
-
Prestação média com Euribor a 0 por cento: 643,28 euros;
-
Prestação média com Euribor a um por cento: 739,24 euros;
-
Prestação média com Euribor a dois por cento: 843,21 euros.
Note-se que basta a Euribor atingir os dois por cento nos próximos meses, o que não é difícil acontecer, dadas as posições conhecidas dentro do BCE e em muitos Bancos Centrais Nacionais (BCN) e os apetites especulativos dos mercados financeiros que estão neste momento a ganhar já milhares de milhões de euros, especulando contra as dívidas públicas de Itália, Espanha, Grécia e Portugal, para que o agravamento das prestações mensais de milhares e milhares de famílias portuguesas ultrapasse mensalmente a centena de euros.
Situação delicada
Os vários cenários acima descritos mostram que se nada for feito para proteger de alguma forma estas famílias que ao longo das últimas décadas, na ausência de uma alternativa de oferta pública de arrendamento a preços controlados, foram literalmente empurradas para a aquisição de habitação própria, poderemos assistir à subida muito considerável dos níveis de incumprimento bancário.
Neste caso, teremos uma situação económica e social extremamente delicada, já que a
manter-se a posição irredutível do Governo, de não actualizar salários e pensões aos
níveis da inflação, teremos milhares de famílias a sofrerem na pele fortes quebras nos seus salários reais, ao mesmo tempo que as suas despesas com alimentação, transportes, saúde e habitação, nomeadamente com os seus empréstimos bancários, irão subir muito consideravelmente.
A regulação dos preços dos bens essenciais, a valorização dos salários e a defesa da produção nacional (combatendo a inflação importada) é, na opinião do PCP, a alternativa à corrosão dos salários e subida das taxas de juro, que o capital defende e que lhes permite manter intocáveis e aumentar os seus lucros. As subidas escandalosas dos lucros dos grandes grupos económicos nos primeiros meses do ano aí estão para o demonstrar.