Baixam os salários, mas sobem as taxas de juro. Será possível?

José Alberto Lourenço

Au­mento de sa­lá­rios e con­trolo de preços são a res­posta que se impõe à su­bida das taxas de juro

A su­bida dos ní­veis da in­flação nos di­fe­rentes países da União Eu­ro­peia e da Zona Euro ao longo do se­gundo se­mestre do ano pas­sado, fez com quea in­flação atin­gisse um valor médio de 5 por cento no final de 2021, na União Eu­ro­peia.

Pre­o­cu­pado com estes ní­veis de in­flação, o Banco Cen­tral Eu­ropeu (BCE) anun­ciou a 16 de De­zembro de 2021, o fim do pro­grama de compra de ac­tivos para com­bater a emer­gência pan­dé­mica, com efeitos a partir de Abril de 2022 e, em Abril de 2022, o fim do pro­grama de compra de ac­tivos, com efeitos a partir de Julho do cor­rente ano. Tal bastou, para que as taxas de juro das dí­vidas so­be­ranas dos países da Zona Euro, ini­ci­assem um ca­minho de su­bida e para que as taxas Eu­ribor também elas co­me­çassem a subir.

De­pois de sete anos em que a Eu­ribor a 12, seis e três meses, taxas de re­fe­rência uti­li­zadas nos em­prés­timos ban­cá­rios con­traídos pelas fa­mí­lias para a compra de ha­bi­tação, se man­ti­veram com taxas ne­ga­tivas, desde o pas­sado mês de Abril a Eu­ribor a 12 meses en­trou em ter­reno po­si­tivo, no pas­sado dia 6 de Junho o mesmo su­cedeu com a Eu­ribor a seis meses e tudo leva a crer que nos pró­ximos dias o mesmo su­ce­derá com a Eu­ribor a três meses.

Com as su­bidas abruptas destas taxas que, acres­cidas do spread (li­vre­mente de­fi­nido pela ins­ti­tuição de cré­dito para cada con­trato, tendo em conta, de­sig­na­da­mente, o risco de cré­dito do cli­ente) de­ter­minam a taxa efec­tiva su­por­tada pelas fa­mí­lias nos em­prés­timos à compra de ha­bi­tação, um novo pe­ríodo de agra­va­mento con­si­de­rável das pres­ta­ções ban­cá­rias se avi­zinha para muitos mi­lhares de fa­mí­lias por­tu­guesas.

De acordo com os re­sul­tados dos Censos à Po­pu­lação e Ha­bi­tação, já di­vul­gados pelo INE, re­fe­rentes a 2021, o nú­mero de alo­ja­mentos fa­mi­li­ares, re­si­dência ha­bi­tual e pro­pri­e­dade do ocu­pante, com en­cargos fi­nan­ceiros, eram no ano pas­sado 1 112 954, pelo que será pelo menos desta ordem de gran­deza o nú­mero de fa­mí­lias que verão nos pró­ximos meses as suas pres­ta­ções ao banco subir.

Im­pactos di­fe­ren­ci­ados

Claro que o im­pacto da su­bida da Eu­ribor nos seus vá­rios prazos não será o mesmo para cada agre­gado fa­mi­liar, ele va­riará de acordo com os mon­tantes em dí­vida, mas ainda de acordo com a in­for­mação dis­po­ni­bi­li­zada pelo INE, o en­cargo mensal su­por­tado pelos agre­gados fa­mi­li­ares com o cré­dito à ha­bi­tação é hoje su­pe­rior a 200 euros para cerca de 914 mil agre­gados, a 300 euros para cerca de 593 mil agre­gados, a 400 euros para 326 mil agre­gados e a 650 euros para cerca de 96 mil agre­gados fa­mi­li­ares.

Cál­culos efec­tu­ados pela DECO no final do mês pas­sado, con­si­de­rando con­tratos de cré­dito à ha­bi­tação com spread de um por cento e Eu­ribor a seis meses, mos­tram-nos que:


1) Num em­prés­timo de 100 mil euros a 30 anos, o im­pacto na pres­tação média mensal das va­ri­a­ções da taxa Eu­ribor a seis meses é o se­guinte:

  • Pres­tação média no final de Maio pas­sado com Eu­ribor a -0,1444: 315,07 euros;

  • Pres­tação média com Eu­ribor a 0 por cento: 321,64 euros;

  • Pres­tação média com Eu­ribor a um por cento: 369,62 euros;

  • Pres­tação média com Eu­ribor a dois por cento: 421,60 euros.

 

2) Num em­prés­timo de 150 mil euros a 30 anos, o im­pacto na pres­tação média mensal das va­ri­a­ções da taxa Eu­ribor a seis meses é o se­guinte:

 

  • Pres­tação média no final de Maio pas­sado, com Eu­ribor a -0,1444: 472,60 euros;

  • Pres­tação média com Eu­ribor a 0 por cento: 482,46 euros;

  • Pres­tação média com Eu­ribor a um por cento: 544,43 euros;

  • Pres­tação média com Eu­ribor a dois por cento: 632,41 euros.

 

3) Num em­prés­timo de 200 mil euros a 30 anos, o im­pacto na pres­tação média mensal das va­ri­a­ções da taxa Eu­ribor a seis meses é o se­guinte:

 

  • Pres­tação média no final de Maio pas­sado com Eu­ribor a -0,1444: 630,14 euros;

  • Pres­tação média com Eu­ribor a 0 por cento: 643,28 euros;

  • Pres­tação média com Eu­ribor a um por cento: 739,24 euros;

  • Pres­tação média com Eu­ribor a dois por cento: 843,21 euros.

Note-se que basta a Eu­ribor atingir os dois por cento nos pró­ximos meses, o que não é di­fícil acon­tecer, dadas as po­si­ções co­nhe­cidas dentro do BCE e em muitos Bancos Cen­trais Na­ci­o­nais (BCN) e os ape­tites es­pe­cu­la­tivos dos mer­cados fi­nan­ceiros que estão neste mo­mento a ga­nhar já mi­lhares de mi­lhões de euros, es­pe­cu­lando contra as dí­vidas pú­blicas de Itália, Es­panha, Grécia e Por­tugal, para que o agra­va­mento das pres­ta­ções men­sais de mi­lhares e mi­lhares de fa­mí­lias por­tu­guesas ul­tra­passe men­sal­mente a cen­tena de euros.

Si­tu­ação de­li­cada

Os vá­rios ce­ná­rios acima des­critos mos­tram que se nada for feito para pro­teger de al­guma forma estas fa­mí­lias que ao longo das úl­timas dé­cadas, na au­sência de uma al­ter­na­tiva de oferta pú­blica de ar­ren­da­mento a preços con­tro­lados, foram li­te­ral­mente em­pur­radas para a aqui­sição de ha­bi­tação pró­pria, po­de­remos as­sistir à su­bida muito con­si­de­rável dos ní­veis de in­cum­pri­mento ban­cário.

Neste caso, te­remos uma si­tu­ação eco­nó­mica e so­cial ex­tre­ma­mente de­li­cada, já que a

manter-se a po­sição ir­re­du­tível do Go­verno, de não ac­tu­a­lizar sa­lá­rios e pen­sões aos

ní­veis da in­flação, te­remos mi­lhares de fa­mí­lias a so­frerem na pele fortes que­bras nos seus sa­lá­rios reais, ao mesmo tempo que as suas des­pesas com ali­men­tação, trans­portes, saúde e ha­bi­tação, no­me­a­da­mente com os seus em­prés­timos ban­cá­rios, irão subir muito con­si­de­ra­vel­mente.

A re­gu­lação dos preços dos bens es­sen­ciais, a va­lo­ri­zação dos sa­lá­rios e a de­fesa da pro­dução na­ci­onal (com­ba­tendo a in­flação im­por­tada) é, na opi­nião do PCP, a al­ter­na­tiva à cor­rosão dos sa­lá­rios e su­bida das taxas de juro, que o ca­pital de­fende e que lhes per­mite manter in­to­cá­veis e au­mentar os seus lu­cros. As su­bidas es­can­da­losas dos lu­cros dos grandes grupos eco­nó­micos nos pri­meiros meses do ano aí estão para o de­mons­trar.




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