PCP evoca com exposição no Barreiro centenário de um «semeador do Partido»
«Blanqui Teixeira foi um semeador do Partido, do PCP, um militante fazendo militantes, um organizador político, um catalisador ideológico», sintetizou Jerónimo de Sousa, anteontem, no Barreiro, na inauguração da exposição evocativa do centenário do revolucionário que fez vida inteira da «nobre causa» dos trabalhadores, do povo e do País e a ela se dedicou «fosse qual fosse a frente e o posto de combate».
Blanqui Teixeira foi um militante fazendo militantes, um organizador político, um catalisador ideológico
A iniciativa decorreu ao final da tarde de terça-feira, 21, na Cooperativa Cultural Popular Barreirense, onde justamente está patente a mostra que passa em revista o percurso do «destacado dirigente do PCP, corajoso e firme resistente antifascista, laborioso construtor da realidade de Abril, criador e impulsionador industrioso nas formas do agir colectivo na transformação visando um mundo melhor, com uma vida exemplar de dedicação à causa da emancipação da classe operária e dos trabalhadores, pela liberdade, a democracia e pelo socialismo», como também salientou o Secretário-geral do PCP.
A sala onde foi promovida a evocação foi pequena para acolher todos os que fizeram questão de participar. Muitos, justamente saudosos de Fernando Blanqui Teixeira, da sua atenção afectuosa e do seu fino sentido de humor, como de resto foi destacado durante o apontamento cultural que antecedeu as intervenções políticas, protagonizado por Helena Mendes, Claud, Helena Prates e Marta Cavaco.
Saudades do homem, do comunista, que tendo nascido em Coimbra adoptou o Barreiro como a sua terra e a ela se dedicou, forjando laços com o povo e os trabalhadores, e, em particular, junto dos camaradas da organização local do Partido, com os quais trabalhou ainda mais estreitamente quando, após décadas de generoso empenho nas responsabilidades que lhe foram sendo atribuídas enquanto dirigente nacional, integrou a Comissão Concelhia do Barreiro e os seus organismos executivos, desde o final da década de 90 e até à sua morte, em Outubro de 2004.
Fernando Blanqui Teixeira, pode dizer-se dizendo a verdade, não deixava ninguém indiferente – quer pela sua têmpera revolucionária e saber, que procurava transmitir sempre com modéstia, quer pelo trato humano simples e sensível, quer pelo rigor, determinação, disponibilidade militante e confiança com que exercia todas as tarefas, independentemente do grau de complexidade.
Não é por isso de estranhar que João Armando, responsável pela Organização Concelhia do Barreiro do PCP, tenha proferido a primeira intervenção no registo de quem trabalhou directamente com Blanqui Teixeira e dessa experiência conservou valiosos ensinamentos para toda a vida.
«Conheci Blanqui Teixeira no Verão de 1977, aquando da minha primeira vinda a Portugal, já na qualidade de funcionário do Partido [na organização da Emigração, da qual Blanqui Teixeira era responsável]», e, «ainda hoje, passados mais de 45 anos, retenho na minha memória duas ideias que me transmitiu».
«Aceitaste, disse ele, ser funcionário do PCP. É uma grande responsabilidade. Serás funcionário até que o Partido considere que a tua intervenção serve o Partido, mas também até que tu aches que podes ajudar o Partido.»
«Óbvio, dirão os camaradas», prosseguiu João Armando, que lembrando que «para mim, com 22 anos, foi o tomar de consciência do papel revolucionário que acabava de aceitar cumprir», relatou outra ideia que conserva: um funcionário do PCP tem «um papel determinante no desenvolvimento da actividade partidária». Ou seja, explicou como aprendeu, tem de «tomar a iniciativa, organizar, responsabilizar quadros, pensar e propor intervenção política». Mas tem de prestar especial importância à necessidade de «estar atento à opinião, ouvir e envolver outros camaradas nas decisões».
Blanqui Teixeira «estava-me a sublinhar a importância do trabalho colectivo», disse João Armando.
O Partido...
Aliás, Jerónimo de Sousa sublinhou, igualmente, a importância do trabalho colectivo enquanto preocupação permanente de Blanqui Teixeira, «um homem de grande coragem, um intelectual revolucionário que enfrentou, sem concessões, as mais brutais atrocidades e a prisão fascistas para regressar sempre à luta clandestina pelo derrube da ditadura e a conquista da liberdade e da democracia».
«As suas qualidades, o prestígio democrático, intelectual e humano granjearam-lhe o maior respeito entre os seus colegas e companheiros de profissão. O camarada Blanqui Teixeira teria sido, poderia ter sido, um extraordinário engenheiro químico, um manipulador de fórmulas nos laboratórios, um criador de processos fabris. Poderia ter sido um extraordinário professor de ciência e engenharia, fazendo discípulos e criando escola.» Porém, tomou «a mais corajosa das opções, tornou-se funcionário do Partido, para ser o que havia de se revelar dali para a frente - um construtor de Partido, um organizador político que com as exigências da Revolução de Abril vai mostrar em pleno», acrescentou o Secretário-geral comunista, para quem, neste «percurso de grandes responsabilidades partidárias, os que o conheceram não podem esquecer o que semeou entre nós e nos deixou para melhor cumprirmos a nossa tarefa de construir uma sociedade mais justa e liberta da exploração e da opressão».
«Quem o conheceu não esquece o seu sorriso acolhedor e um inesquecível timbre de uma voz tímida. Mas mais do que outros traços da sua personalidade empática, não pode deixar de recordar aquela espantosa disponibilidade para tudo e todos acolher e de tudo e de todos colher força, razões, braços para fazer, construir o Partido a que entregou a vida», insistiu Jerónimo de Sousa, reafirmando que Blanqui Teixeira «foi um semeador do Partido, do PCP, um militante fazendo militantes, um organizador político, um catalisador ideológico».
De tal forma marcante, prosseguiu, que «não perdia uma voz que pudesse ficar na teia do trabalho partidário, não esquecia um punho, que um dia se levantou ao som da internacional», já que «era dos que pensava que todos os homens e mulheres de boa vontade valiam a pena. E não desistia de ninguém», compreendendo, «como nuclear e primordial, o Partido como um colectivo, e que a contribuição de todos e de cada um no concreto, era decisiva, para que o colectivo fosse uno na acção, tivesse alicerces para crescer, energia e lucidez para responder à sua missão histórica de libertação e construção de outro mundo.»
...sempre!
Jerónimo de Sousa enalteceu, depois, a «pessoa muito respeitada pela sua postura de rigor e coerência de vida», o «dirigente altamente considerado, não só pela sua prolongada intervenção consequente de lutador antifascista, como pela cordialidade e natureza afável e pela sua atitude profundamente respeitadora no trato com quem convivia ou na relação com quem com ele trabalhava». Mas também recordou a «sua capacidade invulgar para reter a lembrança e captar o registo memorial de acontecimentos, das vivências, de elementos simbólicos relevantes da vida dos indivíduos e do andamento da história. E mais ainda, a sua atenção aos pormenores, ao quotidiano, aos aspectos do concreto da vida, aos ritmos e etapas de cada pessoa, de cada organismo, de cada processo que acompanhava directamente, com a delicadeza de quem rejeita ser intruso, e sempre com o sentido de projecto.»
«A par de uma cultura de exemplar militância política, decorrente de uma cuidada valorização do ideal comunista, Blanqui Teixeira era portador de uma memória viva da paciente e, tantas vezes morosa, construção de redes de apoio, da perseverante edificação de organização, do rendilhado das ligações e da difusão das ideias, do construir de compromissos para tornar o Partido mais presente e mais influente na sociedade.» Era, «sem dúvida, um homem conhecedor das exigências que se colocavam ao Partido de novo tipo, Partido da classe operária e de todos os trabalhadores, no qual a organização é instrumento capital para promover, orientar e desenvolver actividade em todos os domínios e dimensões da vida colectiva.»
Pelo que Blanqui Teixeira «tornou-se no dirigente do Partido que, após o 25 de Abril e durante vinte cinco anos, mais interveio e sintetizou a teoria e prática da organização do Partido», sintetizou o Secretário-geral do Partido, antes de considerar que «as suas reflexões e as formulações que expressou, as medidas que brotaram do seu trabalho concreto (...) constituem um inestimável património do PCP», são inspiração para a exigente e redobrada atenção aos problemas da organização, visando «assegurar um Partido mais forte a todos os níveis e potenciar a sua intervenção».
Nesse sentido, «a melhor homenagem que podemos prestar à sua memória é valorizar e praticarmos nós próprios o que de melhor vive no seu exemplo de revolucionário. É confirmar que o PCP continuará a forjar milhares de militantes que se revêem no seu exemplo» e «garantir que este Partido centenário, de identidade comunista, desempenhará um papel insubstituível na construção de um Portugal de liberdade e soberania, pelo socialismo e o comunismo», concluiu.
Breviário biográfico
Militante do PCP desde 1944 depois de ter aderido à Federação das Juventudes Comunistas, Fernando Blanqui Teixeira era à época dirigente associativo no Instituto Superior Técnico. Aluno brilhante, a sua intervenção político-associativa motivou a perseguição fascista, tendo, contudo, concluído o curso de Engenharia Químico-Industrial em 1945 com a mais alta classificação, e tendo exercido, não oficialmente, como assistente da cadeira de Química Geral.
«Mergulha» na clandestinidade em 1948 realizando as mais variadas tarefas técnicas e de organização, nomeadamente como membro da Direcção Regional de Lisboa e de outros organismos de Direcção Regional. Em 1952 passou a integrar o Comité Central, função que exerceu com a maior dedicação durante quase cinquenta anos, agindo em diferentes regiões do País. Passou e viveu em mais de duas dezenas de casas, partes de casa, tipografias e pontos de apoio clandestinos do Partido.
Ainda antes do 25 de Abril, fez parte do Secretariado e da Comissão Executiva do Comité Central.
Blanqui Teixeira esteve preso em Caxias e Peniche, somando um total de quase dez anos de prisão. Preso pela primeira vez em Janeiro de 1957. Evadiu-se em 22 de Fevereiro de 1958 do Hospital de São José, onde fora em tratamento, iludindo a vigilância dos carcereiros, numa fuga audaciosa em que revelou grande iniciativa e coragem.
Em 6 de Maio de 1963 foi de novo preso em Coimbra, quando a PIDE assaltou a casa clandestina em que vivia. Foi condenado a dez anos de prisão e «medidas de segurança», tendo sido libertado em Setembro de 1971 na sequência de uma importante campanha pela sua libertação que durou quase dois anos, com repercussões internacionais, a qual mobilizou muitas centenas de engenheiros e na qual a própria Ordem dos Engenheiros se empenhou activamente.
Retoma a actividade clandestina na sequência da sua libertação e, após o 25 de Abril, Blanqui Teixeira foi deputado à Assembleia Constituinte, eleito pelo distrito de Coimbra, membro da Comissão Política, entre 1976 e 1988, do Secretariado, entre 1979 e 1996, e da Comissão Central de Controlo entre 1996 e 2000.
Director de «O Militante» entre 1975 e 2000, foi também responsável, entre outras, pelas organizações do PCP nos Açores e na Madeira e pela organização na Emigração.