É urgente salvar o Serviço Nacional de Saúde e impedir que os privados sejam o seu sorvedouro
O Serviço Nacional de Saúde enfrenta dificuldades que são estruturais e não conjunturais, com o Governo a não tomar as medidas que se impunham. O alerta é do PCP, que considera estar a ser posto em causa o direito à saúde de toda a população.
É preciso valorizar todos os profissionais de saúde
Mais de um milhão e 300 mil portugueses sem médico de famílias, serviços de urgência que encerram por falta de especialistas, redução de camas hospitalares, eis alguns exemplos que ilustram a situação difícil que hoje se vive no SNS e que, na óptica do PCP, resulta em larga medida de uma política de contínua desvalorização de todos os profissionais de saúde.
«Se hoje o SNS está confrontado com muitas dificuldades, não foi por falta do PCP alertar e apontar soluções que os partidos de direita têm recusado, da qual o PS é cúmplice e responsável por recusar o caminho de salvar o SNS», afirmou o deputado comunista João Dias, trazendo a lume como facto mais recente comprovativo da sua asserção a ausência no Orçamento do Estado 2022 de «soluções para salvar o SNS».
O parlamentar comunista, que falava em plenário no dia 15, em declaração política em nome da sua bancada, centrada na situação no SNS, defendeu por isso que «é preciso criar condições para que não saiam mais médicos e enfermeiros do SNS», fazendo simultaneamente um caminho para a sua contratação «para as especialidades em que são necessários e para garantir médico e enfermeiro de família a todos os portugueses».
Para isso, na perspectiva do PCP, «são necessárias medidas que passam pela valorização das carreiras e por remunerações atractivas, por uma real perspectiva de progressão na carreira, por horários que sejam compatíveis com o descanso dos profissionais de saúde».
Mas não só. Segundo João Dias, é também preciso «contratar técnicos superiores de saúde e de diagnóstico e terapêutica, técnicos auxiliares de saúde e administrativos», tal como é imperativo que «todas as contratações se façam com vínculo permanente e integrado nos quadros da administração pública, rejeitando a precariedade que se generalizou».
Alimentar o negócio
Além do conteúdo propositivo da sua intervenção, o deputado do PCP não quis perder a oportunidade de pôr a nu a estratégia de todos aqueles que «tudo fazem para descredibilizar o SNS». Trata-se de um «círculo vicioso em que a falta de resposta do SNS cria espaço para justificar mais contratações ao privado, o que leva a perda de recursos a todos os níveis que são retirados do SNS, impedindo, por um lado, a melhoria da resposta pública, por outro, degradando ainda mais a sua capacidade», explicou.
Daí a denúncia há muito feita pelo PCP sobre a forma como «os grandes grupos económicos da saúde vivem à custa do SNS, quer pela carência no atendimento atempado dos serviços públicos, quer pelo financiamento directo por recursos do Estado». Neste caso, por via de «transferências directas do SNS para os privados», ou através do «financiamento resultante de outros subsistemas públicos», informou João Dias, mostrando assim como o «lucro dos grupos privados assenta na degradação do SNS» e na absorção de «recursos financeiros públicos».
O deputado comunista não deixou ainda de apontar o dedo aos partidos de direita por recusarem as soluções avançadas pelo PCP para as «muitas dificuldades» no acesso à saúde, mas também ao PS a quem acusou de ser «cúmplice e responsável, por recusar o caminho de salvar o SNS».
«É por causa dessa política de sucessivos governos que hoje o erário público paga centenas de milhões de euros aos privados por exames que podiam ser feitos de forma mais económica nos próprios hospitais ou centros de saúde», verberou, lembrando ainda ser essa política a responsável pela «falta de camas hospitalares».
Daí a necessidade imperiosa, na perspectiva do PCP, de proceder a um aumento da capacidade de resposta do SNS, «seja nos cuidados de saúde primários, seja ao nível hospitalar», o que pressupõe mais «meios financeiros, humanos e equipamentos».
E porque o SNS «teve um papel fundamental na melhoria de todos os indicadores de saúde», porque foi e é ele «o instrumento essencial para garantir o acesso à saúde a toda a população», João Dias deixou um apelo final: «salvar o SNS é urgente».
Quadro de carências
Vários foram os exemplos dados pelo deputado João Dias que atestam a natureza estrutural dos problemas que afectam o SNS, com isso comprometendo o direito à saúde de toda a população. Assim acontece quando mais de 1,3 milhões de utentes continuam sem médico de família, ou quando o Governo por despacho recente (5775/2022, de 11 de Maio) autoriza o recrutamento de apenas 62 médicos, apesar de as necessidades identificadas rondarem os 837 médicos.
O direito à saúde é igualmente posto em causa quando no Hospital de Setúbal há apenas 10 especialistas de ginecologia/obstetrícia, em vez dos 22 que seriam exigíveis; quando no São Francisco Xavier são 14 os médicos obstetras, quando deveria haver 22; na Guarda há 8 obstetras em vez de 10; ou em Leiria, onde o serviço deveria ter 24 médicos especialistas desta área mas fica-se pelos 18.
Desviar a conversa
O deputado da IL Carlos Guimarães Pinto está a revelar-se um ás, além de useiro e vezeiro, no recurso à provocação. Essa é a artimanha que usa para fugir ao que é central em debate em que intervém. Foi o que voltou a acontecer ao dirigir-se a João Dias, não para falar dos problemas no SNS abordados na declaração política, mas, completamente a despropósito, da guerra na Ucrânia e das supostas posições do PCP sobre a mesma.
«O tom provocatório com que o senhor se referiu ao PCP revela o desprezo total que tem por aquilo que está a acontecer, pelas populações que precisam de atendimento e não o têm», reagiu João Dias, acusando a IL de optar por «defender uma política de degradação do SNS», em vez de «discutir as urgências de vários hospitais, que têm estado encerradas por falta de investimento e, acima de tudo, porque esse investimento tem sido transferido para o privado».
«O senhor deputado deveria estar mais preocupado é com os utentes com cancro e que não têm resposta, com o milhão de 300 mil pessoas que não têm família», aconselhou ainda João Dias, que não deixou também sem resposta o deputado do Chega Filipe Melo, que invectivara contra o fim da parceria-público-privada (PP) no Hospital de Braga, alegando que o mesmo estivera no «top três dos hospitais europeus», enquanto agora passa por dificuldades em manter o serviço de urgência de obstetrícia.
«O senhor não se lembra quando o Hospital de Braga transferia para o Hospital de São, no Porto, os doentes que não queria atender, porque não constava do contrato ou porque era muito mais caro?. Não está recordado disso?», interrogou o deputado do PCP, deixando uma certeza: «as PPP não servem para responder às necessidades que estão colocadas ao SNS».
O público é para todos
Dois dias depois de alertar para a situação do SNS, em declaração política da sua bancada, o deputado João Dias voltou a sublinhar em plenário que a grande questão que está colocado ao «Ministério é salvar o SNS».
Interpelando directamente a titular da pasta, lembrou-lhe que «os profissionais de saúde foram aqueles que não deixaram ninguém para trás, que estiveram disponíveis, que responderam e continuam a responder». «Sejamos nós a responder agora», exortou o deputado comunista, apontando o caminho: «combater a precariedade, valorizar carreiras e salários».
João Dias, que falava sexta-feira passada em debate de urgência requerido pelo CH sobre o caos nos serviços de urgência de ginecologia e obstetrícia, abordou ainda o Estatuto do SNS para considerar que este «é fundamental para acabar com a promiscuidade entre o público e o privado».
«Vai a senhora ministra permitir que o privado se financie no SNS, permitindo que se acabe com a qualidade no SNS?», inquiriu, antes de lembrar a Marta Temido que o «público é para todos, e o privado é só para alguns».
Iludir as respostas
Numa reacção ao anúncio feito pela ministra da Saúde sobre a «criação de uma comissão de acompanhamento da resposta em urgência de ginecologia e obstetrícia e bloco de partos», a presidente do Grupo Parlamentar do PCP afirmou que o mesmo «não permite dar resposta aos problemas que o Serviço Nacional de Saúde enfrenta».
«Tirando a proposta de remuneração do trabalho realizado nos serviços de urgência que a senhora ministra anunciou que seria discutida com os sindicatos, todas as outras medidas que foram anunciadas são medidas a médio-longo prazo que não permitem dar uma resposta imediata, constatou Paula Santos num vídeo publicado no sítio do PCP na Internet.
A transferência de cuidados para os privados e para o sector social, indicada por Marta Temido, é também uma medida vista com «grande preocupação» pelo PCP, uma vez que, segundo a parlamentar comunista, «se não forem tomadas medidas para contratar, fixar e criar condições para que os profissionais de saúde queiram trabalhar no Serviço Nacional de Saúde», a transferência de cuidados para os grupos privados «só irá reduzir ainda mais a capacidade do SNS».
«Quando seria necessário tomar medidas para valorizar as condições de trabalho, por exemplo, implementar o regime de dedicação exclusiva, como o PCP propõe, alargar os incentivos para fixação de profissionais em zonas carenciadas, como propomos – e foi já agendado a nossa proposta para discussão na AR –, o Governo sobre estas questões nada diz», criticou.