Opções do Governo PS agravam as condições de vida, as injustiças e desigualdades
A proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2022 foi aprovada, na generalidade, dia 29. Para o PCP, que votou contra, as opções nela vertidas traduzem a recusa de soluções quer para os problemas nacionais quer para as dificuldades dos trabalhadores e do povo.
As dificuldades e problemas do povo e do País não têm resposta neste OE
Aprovado com os votos favoráveis apenas do PS, as abstenções dos deputados únicos do PAN e do Livre, e os votos contra das restantes bancadas, o documento baixou à comissão de Orçamento e Finanças, após o que voltará a plenário dia 23 para prosseguimento da discussão na especialidade evotação final global a 28 de Maio.
O traço predominante que importa reter dos dois dias de debate na Assembleia da República foi essa recusa da parte do Governo e da sua maioria parlamentar para acolher medidas que – sabe-se! - permitiriam dar resposta aos graves problemas com que o País e a generalidade dos portugueses se debatem.
Esse foi um ponto que ao longo do debate os deputados comunistas não se cansaram de realçar. Podendo ter corrigido o que era insuficiente, que estava mal e já era grave no OE apresentado em Outubro de 2021, o Governo não só não o fez como, volvidos seis meses, elaborou uma proposta que fica ainda mais aquém do que o País precisa. E por isso o Secretário-geral do PCP considerou, logo na fase inicial do debate, que essa recusa do Executivo assume agora «ainda maior gravidade».
Mas o que tal posicionamento revela, para além de «exemplo da teimosia própria das maiorias absolutas», observou com preocupação Jerónimo de Sousa já na sua intervenção final, «é o que se pode esperar deste Governo nos próximos quatro anos e meio». E o que antecipou não augura nada de bom, caso não haja uma mudança de rumo: «a falta de resposta aos problemas dos trabalhadores e do povo e o recurso a qualquer pretexto para justificar a degradação das suas condições de vida, ao mesmo tempo que promove a acumulação de privilégios e benefícios para os grupos económicos com as mais insustentáveis justificações».
Obsessão pelo défice
Num debate onde se ouviu os governantes desvalorizaram a inflação (que em Abril atingiu 7,2%), considerando-a passageira e conjuntural, e a erigirem a redução do défice (de 3,2 em Outubro o objectivo do Governo passou para 1,9) e da dívida (de 127% para 120% do PIB) como o alfa e o ómega da política orçamental – «questão absolutamente essencial», segundo o ministro das Finanças -, a bancada comunista rejeitou que tal opção proteja o futuro e demonstrou como é prejudicial à vida dos trabalhadores e dos reformados, das micro e pequenas empresas, dos sectores produtivos em geral. «Entre o défice e o País, o Governo escolhe o défice», verberou o deputado Bruno Dias, antes de se questionar, pegando em velhas palavras de Almeida Garrett, sempre plenas de actualidade: «quantos pobres são precisos para produzir 1,9 de défice?».
Ao não contemplar no OE nenhuma das soluções defendidas pelo PCP, o que o Governo PS faz, em síntese, é continuar a recusar o aumento geral dos salários e das pensões; não defender o SNS e o direito à habitação; não avançar com medidas de controlo e fixação de preços na energia, nos combustíveis e noutros bens essenciais; não assumir a criação de uma rede pública de creches; não procurar garantir transporte público em todo o território nacional nem avançar para a sua gratuitidade; não defender a produção nacional, a agricultura familiar, as MPME.
Erosão dos salários e pensões
Sumariados por Jerónimo de Sousa logo na sua primeira intervenção, tais traços gerais negativos que perpassam o OE vieram a ser plenamente confirmados no decorrer do debate.
Veja-se a situação dos trabalhadores da Administração Pública, que continuam com os salários e as carreiras desvalorizados, com as progressões na carreira travadas pelas «quotas na avaliação e outras injustiças», e cujo o aumento é de 0,9%, quando a inflação ronda já os 7%. Um exemplo realçado pela bancada comunista e bem elucidativo das consequências das opções assumidas por um Governo que mantém inalterada essa recusa de um aumento geral dos salários, de todos os salários, no sector público e no sector privado, numa altura em que esse aumento é decisivo para fazer face ao aumento do custo de vida.
E o mesmo se pode dizer quanto aos reformados e pensionistas, relativamente aos quais o Governo continua a recusar um aumento geral de todas as pensões capaz de fazer face à inflação e recuperar o poder de compra perdido.
Saúde sem respostas
Outros exemplos foram dados pelos deputados comunistas, não perdendo estes nenhuma ocasião para lembrar como os problemas na saúde continuam a agravar-se – falta de médicos e enfermeiros, queixas de atrasos e falta de resposta em consultas, tratamentos e cirurgias, saída de profissionais do SNS –, perante um Governo que continua a recusar o reforço do SNS.
«Com as dificuldades do SNS perdem os utentes e os profissionais mas ganham os grupos económicos do negócio da doença, que contratam trabalhadores com salários mais baixos e fazem lucros ainda maiores à conta dos recursos públicos», censurou Jerónimo de Sousa.
Injustiça fiscal
Para primeiro plano foi trazida igualmente a política fiscal, onde, em vez de soluções visando maior equidade fiscal - com alívio de impostos sobre os rendimentos mais baixos e intermédios e sobre o consumo, acompanhado de tributação efectiva do grande capital -, o que se assiste é à recusa de soluções já enjeitadas há seis meses e o Governo a anunciar, pela terceira vez, o fim do PEC que foi aprovado em 2019.
Não admira por isso que o líder comunista, face a todo este panorama e comparando esta proposta de OE com as apresentadas entre 2015 e 2019, tenha concluído que «o tempo da reposição, defesa e conquista de direitos acabou mesmo».
«Quem estava convencido de que o PS tinha feito esse caminho por opção, fica agora desenganado. Quem tinha expectativas de que o percurso feito nos últimos anos tivesse continuidade, percebe agora que só por cima da maioria absoluta do PS isso poderá acontecer», sustentou Jerónimo de Sousa, inconformado com o facto de as medidas «insuficientes e parcelares» de aumento do rendimento dos trabalhadores, reformados e pensionistas darem lugar à «imposição da perda de poder de compra».
Marcar passo
Até o «passo positivo» dado com a proposta do PCP de gratuitidade das creches, inscrita na lei em 2021, não tem sequência na «criação de uma rede pública de creches que disponibilize as vagas que continuam a faltar».
Mais, lamentou o secretário-geral comunista, não tem desenvolvimento o «caminho de redução do preço do passe social e promoção do transporte público, de redução das propinas, de reforço do abono de família», tal como não encontram concretização os «compromissos assumidos em matéria de construção de habitação pública e de resposta aos problemas do arrendamento», sem falar dos «apoios atribuídos com as verbas do Garantir Cultura, criados para responder aos impactos da epidemia, que «em vez de serem valorizados e desenvolvidos, afinal desaparecem sem deixar rasto».
Daí que, para o PCP, em conclusão, das opções da maioria absoluta do PS advirá o aprofundar de «estrangulamentos, injustiças e desigualdades».
Por outras palavras, sintetizou Jerónimo de Sousa, desta proposta de OE resultará «a perda generalizada de poder de compra, a degradação das condições de vida dos trabalhadores e do povo e uma nova contracção do mercado interno – que se acrescenta aos impactos da epidemia e imporá ainda mais dificuldades a milhares de MPME, pequenos agricultores e pescadores».
Nem investimento nem justiça fiscal
Nos domínios do investimento público e da política fiscal este é um orçamento que está longe de corresponder quer às necessidades do País quer a um padrão mínimo de equidade e justiça no capítulo da fiscalidade.
Essa ideia esteve muito presente nas intervenções dos deputados comunistas e em particular na de Bruno Dias, que, ao interpelar o ministro das Finanças, considerou mesmo que o financiamento público previsto fica muito aquém do que o «País precisa», falando mesmo de um nível de «indigência».
E criticou a ideia do PRR como “bóia de salvação”, classificando-a de «logro», uma vez que o PRR «é a antecipação de receitas futuras que o País vai perder mais adiante».
Falando da política fiscal, por outro lado, Bruno Dias não deixou passar sem dura crítica o facto de os grandes grupos económicos continuarem a beneficiar de «vantagens escandalosas», permitindo lucros «amassados aos milhões com os sacrifícios das pessoas».
Lucros obtidos com as práticas especulativas no aproveitamento da guerra e das sanções, como é o caso das petrolíferas, ou com os que ganharam com a crise pandémica, como as seguradoras», exemplificou o deputado comunista, que lamentou que o Governo tenha ignorado as propostas concretas do PCP visando a taxação desses lucros e assim garantindo maior justiça fiscal.
Falta de compromisso com o SNS
Também na Saúde este é um orçamento que prima pela inexistência de respostas para as necessidades que estão colocadas ao SNS, levando o deputado João Dias a concluir que não se encontra nele «um compromisso com o SNS». Esta foi, em síntese, a sua leitura e foi a partir dela que interpelou a titular da pasta querendo saber quais as razões para a recusa do Governo em incrementar um «regime de dedicação exclusiva de natureza opcional com majoração na remuneração e na progressão» ou para «reforçar os incentivos para a fixação de profissionais de saúde».
Antes, questionara já Marta Temido sobre a recusa o Governo em adoptar soluções de combate à precariedade e de valorização salarial e das carreiras de todos os profissionais de saúde, incluindo a contabilização de todos os pontos para efeitos de progressão. Objectivo este que continua por realizar, não obstante a afirmação da titular da pasta, proferida já perto do final do debate e em resposta ao deputado comunista, de que o Governo «está disponível para todas as soluções de combate à precariedade».
Palavras bonitas mas também neste plano sem correspondência prática, se se tiver em conta que do OE estão ausentes respostas, como constatou João Dias, para importantes questões: o «grave problema de saída de profissionais de saúde do público para o privado», a necessidade de melhorar as condições dos profissionais de saúde nos hospitais e nos centros de saúde do SNS, o problema das suas carreiras, a garantia de vínculo público e a sua integração em condições que permitam a sua progressão e promoção.
Tal como não se vê no OE – e esta foi outra crítica do deputado comunista – «nenhum mecanismo que garanta médico de família e cuidados de saúde primários para todos», nem «formas efectivas de recuperação das listas de espera em cirurgias, exames ou tratamentos».
Recusa de soluções
O combate à pobreza e a protecção social é uma das áreas onde emerge com clareza a recusa do Governo em incrementar soluções para problemas estruturais.
Demonstra-o o facto de continuar a não haver um ataque às causas estruturais da pobreza, ou seja aos factores que estão na sua origem, como sejam os baixos salários e a precariedade, ou a ausência de um combate efectivo à especulação de bens e serviços que empobrece as famílias e enche os bolsos dos grupos económicos, como tratou de sublinhar a deputada Diana Ferreira, lembrando que não é com assistencialismos que se enfrenta aquele flagelo social que atinge as crianças, os trabalhadores e reformados.
Mas não se esgota neste plano a recusa do Executivo do PS em avançar com as soluções de que o País precisa. A parlamentar comunista chamou igualmente a atenção para o facto de na protecção social, nomeadamente no regime contributivo, passar-se o mesmo: subsídio de desemprego por valorizar, como por melhorar estão as condições de acesso ao mesmo e o aumento dos seus valores.
A negação da universalidade do abono de família – um direito das crianças – é outro traço negativo do OE, segundo Diana Ferreira, que lamentou ainda não existir o investimento capaz de assegurar a criação de uma rede pública de creches que responda à actual carência de lugares, que vai muito para além dos 10 mil que o Governo se propõe alargar no sector social e solidário.
Educação e Cultura desvalorizadas
O Governo defendeu ao longo do debate que o OE está no «rumo certo», que se ajusta à conjuntura, que os jovens são uma prioridade sua e que a mesma preocupação tem com a coesão social. Entre a proclamação e a realidade vai porém uma distância, como se pode constatar no que à Educação e à Cultura diz respeito. Na Educação, por exemplo, o Governo optou por não vincular os cinco mil professores que decidiu chamar – tardiamente, diga-se - para completar horários que respondam aos 28 mil alunos que à data do debate estavam sem professor. Não o fez, tal como nada faz para «valorizar a carreira docente, para integrar os professores com três ou mais anos de serviço, ou para rever as condições salariais», como exemplificou a deputada Alma Rivera.
E sem medo das palavras, a parlamentar do PCP considerou mesmo que em relação à Escola Pública a situação é de «ruptura a vários níveis», desde os «funcionários em falta» até ao subfinanciamento do Ensino Superior, passando pela insuficiente Acção Social Escolar ou pela falta de residências.
Já no que se refere à Cultura, Alma Rivera foi taxativa: o OE continua «muito aquém do 1%» para o sector, «não visa a criação de um serviço público de cultura, não fomenta a sua democratização, não cria condições de estabilidade de trabalho e de trabalho com direitos, não valoriza as artes».
MPME sem apoios
Ao recusar soluções para apoiar as micro, pequenas e médias empresas, o Governo está a deixá-las à mercê dos grupos económicos, pondo assim em causa a sua actividade e os postos de trabalho. Para esta realidade chamou também a atenção a bancada comunista, lamentando que as MPME - ainda mal refeitas dos constrangimentos e dificuldades impostos pela epidemia - estejam agora a sofrer as consequências do aproveitamento da guerra e das sanções pelos grupos económicos.
«Os custo impostos na energia, nos combustíveis, nas comissẽes bancárias, nos seguros – sectores dominados pelos grupos económicos – têm um peso excessivo nas MPME, isto é, os grupos económicos continuam a acumular lucros à custa da actividade dinamizada pelas micros e pequenas empresas», criticou Paula Santos.
Daí a defesa que fez do «aumento dos salários e das pensões (para defender o poder de compra e o mercado interno), do controlo e fixação de preços, e também de «medidas concretas de apoio directo à tesouraria». E disse-o, desafiando o primeiro-ministro a esclarecer porque recusa essas soluções para as MPME. António Costa justificou-se, numa resposta curta e seca, argumentando que tais medidas não constavam do programa sufragado a 30 de Janeiro.
Os direitos à habitação e à mobilidade
Em matéria de acessibilidades e transportes públicos, questão também suscitada pela bancada do PCP, sobressaiu sobretudo a necessidade de «atrair mais utentes», o que «só se consegue com mais e melhor oferta», e assim prosseguir o «caminho iniciado com o alargamento do passe social e o PART». Caminho cuja consolidação passa também pela gratuitidade dos transportes públicos até aos 18 anos e pela redução do passe social até à sua gratuitidade.
Foi o que disse a líder parlamentar comunista, primeiro, ao chefe do Governo, depois ao ministro das Infra-estruturas, notando, todavia, dirigindo-se a este último, que para tanto são precisos comboios e vencer os atrasos que tem havido na sua aquisição. «É preciso aumentar a oferta nas áreas metropolitanas, no longo curso e nas linhas regionais, é preciso retomar as ligações internacionais», destacou Paula Santos, não sem recordar que nos últimos 20 anos não foi adquirido qualquer comboio, apesar de ter havido muitos concursos.
Defender a habitação
A Pedro Nuno Santos, que é também responsável pela área da Habitação, chegaram ainda palavras de apreensão de Paula Santos pelas dificuldades das famílias, em particular dos jovens, no acesso à habitação. «Os custo com habitação atingem montantes altamente especulativos, em contraponto os salários dão para cada vez menos. Há cada vez mais famílias que receiam ficar sem casa», resumiu a parlamentar do PCP, para quem o OE 2022 «não dá as respostas necessárias para assegurar que ninguém perde a sua casa e que o direito à habitação seja uma realidade». Sobretudo num contexto como o que vivemos, com a «perspectiva de aumento das taxas de juro». Paula Santos deu o exemplo do Bairro do Griné, em Santa Joana, Aveiro, onde o IHRU despejou duas famílias, estando em risco de despejo outras 12 famílias, 36 crianças no total. «A porta da rua não é a solução», sublinhou.
Ainda sobre o parque habitacional público, defendeu que é preciso aumentá-lo, lembrando que as «necessidades reais já identificadas pelos municípios são bem superiores às 26 mil habitações».
Já sobre o arrendamento urbano, Paula Santos defendeu que é preciso «pôr fim ao balcão dos despejos» e assegurar «valores de renda não especulativos», para garantir «estabilidade no arrendamento», soluções a que o OE 2022 não dá acolhimento.