Oito novos diplomas do PCP com soluções para combater o aumento dos custos de vida e a especulação
O PCP entregou no Parlamento oito diplomas relacionados com a energia e combustíveis e a produção agro-alimentar. Travar o aumento do custo de vida é o grande objectivo de todos eles, conjugando para o efeito medidas fiscais com medidas anti-especulativas e de reforço da produção nacional.
As medidas do Governo ficam muito aquém do necessário
Lusa
Dos projectos de lei constam diversas e importantes propostas orientadas para contrariar linhas de tendência negativas que se têm vindo a acentuar, agravando ainda mais as dificuldades sentidas no quotidiano dos trabalhadores e do povo. Eliminar a especulação na formação de preços nos combustíveis, reduzir a fiscalidade que recai sobre estes, baixar o IVA da energia eléctrica e do gás, melhorar o funcionamento da cadeia agro-alimentar constituem algumas das medidas avançadas nas iniciativas legislativas agora formalizadas.
Como salientou no dia 31, em conferência de imprensa, a presidente do Grupo Parlamentar do PCP, as medidas que constam dos diplomas «visam responder aos problemas com soluções concretas, seja através do alívio fiscal, seja da regulação dos preços, defendendo as populações e as MPME ao invés de, com a porta aberta à especulação, subsidiar os lucros dos grupos económicos».
Por outras palavras, «a conjugação de medidas fiscais com medidas anti-especulativas e de reforço da produção nacional são a resposta urgente que o país precisa», afirmou Paula Santos, convicta de que estas são as medidas certas para «combater de forma efectiva a actual escalada de aumento do custo de vida e de custos de produção, que tanto prejudica o povo português e os nossos sectores produtivos».
Depois de na antevéspera (data em que arrancou a XV Legislatura) seis outros diplomas seus, centrados na valorização dos salários e dos direitos e na melhoria das condições de vida, terem dado entrada no Parlamento, o PCP voltava a apresentar soluções que ilustram bem a natureza das suas preocupações e quais as prioridades que determinam a sua produção legislativa e acção política. E um dos problemas que motiva a sua apreensão é o aumento dos preços, com o que isso representa de agravamento das condições de vida das classes trabalhadoras e das populações.
Uma situação que pode assumir contornos «ainda mais graves» caso não sejam «tomadas medidas firmes e decididas» no sentido de a combater, advertiu Paula Santos no encontro com os jornalistas realizado faz hoje uma semana, dia em que os textos legislativos deram entrada na mesa da Assembleia da República.
«É necessário avançar com medidas de controlo e fixação de preços e de aumento e defesa da produção nacional não apenas como resposta imediata ao problema do aumento dos preços mas também com o objectivo de romper com a dependência externa do País e defender a soberania nacional», sustentou a líder parlamentar comunista, depois de considerar que as medidas já anunciadas pelo Governo «ficam muito aquém do que é necessário».
Paula Santos, que estava ladeada pelos dois vice-presidentes que a acompanham na direcção da bancada do PCP, Alma Rivera e Bruno Dias, mostrou-se muito crítica quanto ao que classificou de «carácter especulativo» que assumem os aumentos dos preços de bens essenciais, dos combustíveis aos bens alimentares, passando pelo gás e energia eléctrica, sublinhando que têm servido para «aumentar os lucros milionários dos grandes grupos económicos, que se aproveitaram e aproveitam da pandemia e da situação de instabilidade internacional».
Travar especulação
Em matéria de combustíveis, entende o PCP que o problema dos preços tem de ser abordado em três componentes: a cotação internacional, as margens e a fiscalidade. A resposta a cada uma dessas componentes é dada num dos projectos de lei - o que fixa um Preço de Referência para combater a especulação e reduzir os preços dos combustíveis e do GPL.
Trata-se, por um lado, como foi dito, de «criar um novo preço de referência, baseado nos custos reais de aquisição e refinação do barril de petróleo, e não em índices especulativos e não escrutináveis».
É que o actual modelo de formação de preços é «profundamente especulativo», salientam os deputados comunistas na nota preambular do seu projecto, já que se baseia nos «índices Platts da Praça de Roterdão, um índice construído por uma consultora privada, a partir da informação dada pelas próprias petrolíferas, sem qualquer escrutínio público».
No texto observa-se ainda que é este sistema de cotações especulativo que «faz com que os preços dos combustíveis, suportados pelos consumidores, subam no momento em que aumentam as cotações, apesar de os combustíveis terem sido refinados meses antes a partir de petróleo comprado a preços muito inferiores».
Mas é também este mecanismo, acrescenta-se, que faz com que, «quando as cotações baixam, essa redução não se reflicta na mesma proporção no preço que é pago pelos consumidores, aumentando mais uma vez as margens apropriadas pelas grandes petrolíferas».
Proposto é ainda no diploma comunista que a possibilidade de «fixação de margens máximas seja obrigatoriamente exercida no caso da margem bruta de refinação, definindo uma margem não-especulativa com vista à redução do preço final».
Por fim, prevê-se a criação de uma contribuição extraordinária sobre os lucros das petrolíferas que resultam da apropriação de margens especulativas, consignando a receita dessa contribuição a uma redução do preço, através do ISP.
Reduzir preços dos combustíveis
Quanto às questões respeitantes à fiscalidade, cujo peso é «inegável no preços dos combustíveis», como fez questão de realçar Paula Santos, são dois os diplomas onde são vertidas as soluções que o PCP tem como indispensáveis.
Assim, para reduzir o preço dos combustíveis, num primeiro projecto de lei são propostas duas medidas: uma, o fim do chamado «adicional ao ISP» criado por portaria do governo em 2016; a outra, o fim da dupla tributação do ISP em sede de IVA, através da criação de um mecanismo que devolva, em sede de ISP, o valor correspondente à parte do IVA que incide sobre o próprio ISP (ver caixa). Argumenta o PCP, no primeiro caso, estar «completamente ultrapassada» a justificação que levou àquele aumento, enquanto que no segundo caso afirma não ser aceitável que o IVA incida sobre o combustível mais o ISP, ou seja, que haja «um imposto que paga imposto».
Já no que toca ao segundo projecto de lei no âmbito da fiscalidade, o que se propõe é a redução da incorporação obrigatória de biocombustíveis dos actuais 11% para os 5%, alteração que terá impacto directo na redução do preço pago pelos consumidores.
Pela energia mais barata
Em matéria de energia, sobretudo energia eléctrica e gás, o destaque vai para duas importantes medidas: a que alarga o acesso à tarifa regulada e elimina o seu carácter transitório, assegurando, como frisou Paula Santos, a sua «estabilidade e continuidade e permitindo a celebração de novos contratos iniciais neste regime»; uma segunda medida, não menos importante, é a que repõe o IVA a 6% para a energia eléctrica, gás natural, gás butano ou propano engarrafado e canalizado.
Tendo Portugal das tarifas energéticas mais caras da Europa, sabendo-se que centenas de milhares de portugueses não conseguem aquecer adequadamente as suas casas, dado o custo insuportável da factura da energia, como bem se diz na nota preambular do projecto de lei que visa reduzir o IVA da electricidade e do gás, estamos assim perante uma proposta de inegável justiça social, capaz de melhorar o poder de compra das famílias e aliviar o garrote que asfixia milhares de MPME.
Pôr fim à dupla tributação do ISP
No preâmbulo do projecto de lei onde advoga a eliminação da dupla tributação dos combustíveis os deputados do PCP explicam, através de um exemplo concreto, não só como esta é uma medida justa e necessária mas também como ela se traduz num ganho efectivo para os consumidores. Ao criar um mecanismo que devolva, em sede de ISP, o valor correspondente à parte do IVA que incide sobre o próprio ISP, o que se garante é a devolução do valor que resulta da dupla tributação, sem alterar por enquanto o código do IVA.
Eis o exemplo que é dado: estando actualmente o ISP da gasolina a 0,63126€/litro, significa que o IVA que incide sobre o próprio ISP corresponde a 23% X 0,63126€/litro, ou seja, 0,1452 €/litro. Com o mecanismo proposto, o valor do ISP seria reduzido em 0,63126€ X 0,187 = 0,1181€/litro, o que corresponde a uma redução fiscal de 0,1181€/litro X 1,23 (por aplicação do IVA), ou seja, de 0,1452 €/litro, ou seja, ao valor da dupla tributação.
Como observam os deputados comunistas, o que este exemplo mostra é que a aplicação do mecanismo levaria a uma redução imediata do preço pago pelos consumidores em 14,5 cêntimos por litro de gasolina. Fazendo o mesmo cálculo para o valor actual do ISP que incide sobre o gasóleo, a redução do preço por litro seria de 10,7 cêntimos por litro no gasóleo.
Pela soberania alimentar
Outra área que assume uma particular relevância para o PCP é a que diz respeito à nossa capacidade produtiva e à imperiosa necessidade de a aumentar, de modo a garantir o fornecimento dos bens alimentares, reduzir a dependência externa e evitar a escassez de alimentos, pondo simultaneamente um travão ao aumento especulativo de preços.
Quatro dos projectos de lei agora apresentados vão neste exacto sentido, desde logo o que visa a melhoria do funcionamento da cadeia agro-alimentar, face a uma realidade que é crítica e muito marcada pelas dificuldades do sector agrícola e agropecuário. Entre o conjunto muito amplo de medidas nele preconizadas, realce para as dirigidas ao equilíbrio das relações comerciais que garantam o pagamento de preços justos à produção e do preço a pagar pelo consumidor. Falamos de medidas que percorrem todo o articulado do diploma destinadas a assegurar, por exemplo, a criação de um grupo de trabalho para definir custos base de produção e regulação de preços no consumidor, a segurança jurídica dos contratos, ou o combate a práticas comerciais abusivas.
Partindo dessa realidade que é a já referida dependência externa do país no domínio alimentar, a par das contínuas dificuldades do sector agrícola e agro-pecuário – testemunham-no a eliminação de 15,5 mil explorações agrícolas nos últimos 10 anos ao mesmo tempo que aumentou em 13% a área média das explorações -, enorme relevância ganha também o projecto de lei que tem por objectivo a adopção de medidas urgentes para a produção de cereais. Trata-se de medidas que vão na direcção certa, ou seja, vão no sentido de incentivar a produção, reduzir as importações e incrementar o nível de aprovisionamento.
Outro diploma que adquire enorme actualidade e responde a um anseio dos nossos agricultores – a braços com o aumento exponencial e especulativo dos custos dos factores de produção, designadamente dos combustíveis – é o que estabelece um regime extraordinário de apoio ao gasóleo colorido e marcado (mais conhecido como gasóleo agrícola) por forma a repor o preço praticado em Janeiro de 2021. Nessa altura, recorde-se, o seu preço médio rondava os 84 cêntimos do euro e nos dias de hoje tem andado próximo e até para lá dos dois euros.
Por último, dos textos apresentados no capítulo agro-alimentar, sobressai ainda o que estabelece um Plano Estratégico para a Soberania Alimentar Nacional. Perante os nossos défices e desequilíbrios da balança alimentar nacional, o que se pretende com tal plano, como explicitou a líder parlamentar comunista, é «aumentar a capacidade de produção dos alimentos que a população precisa, de armazenamento e de acesso a bens alimentares».
Programa do Governo sem as soluções que a situação exige
O Programa do Governo «mantém a intenção de prosseguir as mesmas opções seguidas anteriormente, o que significa a insistência na recusa da resposta necessária aos problemas estruturais do País e que diariamente atingem o povo, como as desigualdades e as injustiças sociais, a dependência externa, a falta de aposta na produção nacional».
Foi com estas palavras que a presidente do Grupo Parlamentar do PCP iniciou, sexta-feira passada, dia 1, na Assembleia da República, uma declaração aos jornalistas sobre a apresentação do Programa do Governo, documento onde disse não se vislumbrarem as soluções que a actual situação do País exige.
Numa primeira reacção àquele documento, e «sem prejuízo de uma apreciação mais aprofundada», Paula Santos traduziu assim por miúdos o que significa a manutenção das mesmas opções governativas: a não assumpção de nenhum «compromisso com a resposta necessária aos trabalhadores e aos reformados afectados pelo aumento do custo de vida, pelos baixos salários e pensões, pela precariedade, pela falta de consultas, de cirurgias ou de habitação».
Abordando a questão do aproveitamento da guerra e das sanções, por parte nomeadamente dos grupos económicos, que sob este têm acumulado milhões de euros de lucros à custa do empobrecimento dos trabalhadores e do povo, criticou ainda o Governo por se recusar a «defender os trabalhadores e o povo desse aproveitamento, remetendo a resposta para decisões da União Europeia, o que constitui mais uma vez uma posição de desresponsabilização e aceitação de imposições externas prejudiciais ao povo e ao País».
Daí que, para o PCP, o que a actual situação económica e social do País exige é a «política alternativa que o PCP» defende e que «continuará a afirmar». Exige, prosseguiu a líder parlamentar comunista, «uma firme e determinada intervenção do Governo para aumentar os salários e as pensões, exige o controlo e fixação de preços da energia e dos combustíveis, exige medidas para contratar e fixar profissionais de saúde no SNS». Mais, concluiu, exige a «aposta na produção nacional, na agricultura, nas pescas, na indústria, o controlo público de sectores estratégicos da economia».