Desregulação dos serviços digitais
Na sessão plenária de Janeiro, discutiu-se o Regulamento do Parlamento Europeu (PE) e do Conselho relativo a um «mercado único de serviços digitais», que mais não é do que um passo em frente no aprofundamento do mercado único, desta vez tendo como pretexto a regulação das grandes plataformas digitais e questões como a remoção de conteúdos ilegais em linha.
É sabido que os processos de digitalização e os serviços digitais representam um enorme potencial para o desenvolvimento económico, social e humano. Mas o que a realidade também nos tem demonstrado é que eles têm servido igualmente para aumentar a exploração dos trabalhadores, para expandir fenómenos de alienação e condicionamento social e comportamental dos indivíduos, beneficiando os lucros, os interesses e a predominância de grandes multinacionais e limitando liberdades, garantias e direitos.
A proposta debatida não toca nestas questões. Em vez disso, persiste no caminho do alargamento e aprofundamento do mercado único digital, com consequências já conhecidas, como o agravamento das desigualdades, maior concentração monopolista e ataques à soberania dos Estados, sem comprometer os interesses dos gigantes do digital.
Acena-se com a criação e proliferação de um conjunto de entidades ditas «independentes», para, diz-se, manter o afastamento dos Estados e das autoridades nacionais dessas entidades; no entanto, a dependência relativamente aos grandes interesses económicos parece não constituir um problema para esta proposta. Ao mesmo tempo, não há o reconhecimento de que os Estados já têm entidades com competências para as questões da aferição administrativa e judicial de conteúdos ilegais e que o que é fundamental é que o seu âmbito de actividade seja alargado ao plano digital. E, obviamente, que haja coordenação entre países nesta matéria, sempre que se revele necessário.
A imposição da constituição de tribunais arbitrais para a resolução de conflitos nestas matérias, uma etapa defendida neste Regulamento, é inaceitável, já que é uma interferência clara em competências soberanas dos Estados-Membros, designadamente em matéria de justiça.
Outra peça deste Regulamento é a certificação de «sinalizadores de confiança», que indicarão quais as plataformas mais confiáveis, mas cujos critérios, antevê-se, serão sempre à medida das grandes multinacionais e não das micro, pequenas e médias empresas do sector e dos utilizadores.
A ausência de garantias de protecção dos utilizadores (que, por exemplo, continuarão a ser assediados pela publicidade direccionada) também revela que a prioridade são os interesses das multinacionais, o que só pode merecer a rejeição deste Regulamento por parte dos deputados do PCP no PE.