Desregulação dos serviços digitais

Sandra Pereira

Na sessão ple­nária de Ja­neiro, dis­cutiu-se o Re­gu­la­mento do Par­la­mento Eu­ropeu (PE) e do Con­selho re­la­tivo a um «mer­cado único de ser­viços di­gi­tais», que mais não é do que um passo em frente no apro­fun­da­mento do mer­cado único, desta vez tendo como pre­texto a re­gu­lação das grandes pla­ta­formas di­gi­tais e ques­tões como a re­moção de con­teúdos ile­gais em linha.

É sa­bido que os pro­cessos de di­gi­ta­li­zação e os ser­viços di­gi­tais re­pre­sentam um enorme po­ten­cial para o de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico, so­cial e hu­mano. Mas o que a re­a­li­dade também nos tem de­mons­trado é que eles têm ser­vido igual­mente para au­mentar a ex­plo­ração dos tra­ba­lha­dores, para ex­pandir fe­nó­menos de ali­e­nação e con­di­ci­o­na­mento so­cial e com­por­ta­mental dos in­di­ví­duos, be­ne­fi­ci­ando os lu­cros, os in­te­resses e a pre­do­mi­nância de grandes mul­ti­na­ci­o­nais e li­mi­tando li­ber­dades, ga­ran­tias e di­reitos.

A pro­posta de­ba­tida não toca nestas ques­tões. Em vez disso, per­siste no ca­minho do alar­ga­mento e apro­fun­da­mento do mer­cado único di­gital, com con­sequên­cias já co­nhe­cidas, como o agra­va­mento das de­si­gual­dades, maior con­cen­tração mo­no­po­lista e ata­ques à so­be­rania dos Es­tados, sem com­pro­meter os in­te­resses dos gi­gantes do di­gital.

Acena-se com a cri­ação e pro­li­fe­ração de um con­junto de en­ti­dades ditas «in­de­pen­dentes», para, diz-se, manter o afas­ta­mento dos Es­tados e das au­to­ri­dades na­ci­o­nais dessas en­ti­dades; no en­tanto, a de­pen­dência re­la­ti­va­mente aos grandes in­te­resses eco­nó­micos pa­rece não cons­ti­tuir um pro­blema para esta pro­posta. Ao mesmo tempo, não há o re­co­nhe­ci­mento de que os Es­tados já têm en­ti­dades com com­pe­tên­cias para as ques­tões da afe­rição ad­mi­nis­tra­tiva e ju­di­cial de con­teúdos ile­gais e que o que é fun­da­mental é que o seu âm­bito de ac­ti­vi­dade seja alar­gado ao plano di­gital. E, ob­vi­a­mente, que haja co­or­de­nação entre países nesta ma­téria, sempre que se re­vele ne­ces­sário.

A im­po­sição da cons­ti­tuição de tri­bu­nais ar­bi­trais para a re­so­lução de con­flitos nestas ma­té­rias, uma etapa de­fen­dida neste Re­gu­la­mento, é ina­cei­tável, já que é uma in­ter­fe­rência clara em com­pe­tên­cias so­be­ranas dos Es­tados-Mem­bros, de­sig­na­da­mente em ma­téria de jus­tiça.

Outra peça deste Re­gu­la­mento é a cer­ti­fi­cação de «si­na­li­za­dores de con­fi­ança», que in­di­carão quais as pla­ta­formas mais con­fiá­veis, mas cujos cri­té­rios, an­tevê-se, serão sempre à me­dida das grandes mul­ti­na­ci­o­nais e não das micro, pe­quenas e mé­dias em­presas do sector e dos uti­li­za­dores.

A au­sência de ga­ran­tias de pro­tecção dos uti­li­za­dores (que, por exemplo, con­ti­nu­arão a ser as­se­di­ados pela pu­bli­ci­dade di­rec­ci­o­nada) também re­vela que a pri­o­ri­dade são os in­te­resses das mul­ti­na­ci­o­nais, o que só pode me­recer a re­jeição deste Re­gu­la­mento por parte dos de­pu­tados do PCP no PE.



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