Chantagens, narrativas e outros engodos…

Paulo Raimundo

30 de janeiro de 2022: a estratégia, a chantagem, o investimento e a operação do capital atinge os resultados há muito ambicionados. O PCP e a CDU ficam, no plano eleitoral, em piores condições de influenciar o rumo do País.

A chantagem do PS funcionou, mas os problemas do País estão por resolver e exigem soluções

Vladimiro Vale

O resultado eleitoral foi o conhecido e o PS obteve a tão ambicionada maioria absoluta. Para o capital, qualquer resultado seria positivo e qualquer arrumação final serviria: PS maioritário ou PS com outro qualquer, tanto faria desde que se libertassem do «empecilho».

O capital nunca se conformou nem perdoou a derrota que o PCP, a CDU e a luta dos trabalhadores e das populações impuseram em 2015 ao então governo do PSD/CDS. O PS, vislumbrando uma possibilidade de voltar ao poder, formou então um governo minoritário, apresentou o seu programa e entrou em funções: uma realidade nova onde o governo do PS, condicionado pela correlação de forças existente e acima de tudo pela dinâmica social que decorria de todo o processo, não estava em condições de governar apenas a partir das suas opções, nem tão pouco a partir do seu próprio programa.

Esse governo, condicionado pelas expectativas criadas, pela força e intervenção do PCP e da CDU e pela luta de massas, não teve outra alternativa que não fosse encetar um caminho de reposição de direitos e rendimentos, assim como ir muito para lá das suas opções e programa, avançando em novas conquistas que muitos consideravam impossíveis.

Mas tal como outros, o PS também nunca se conformou com a situação em que se encontrava e rapidamente alinhou na estratégia em curso de, o mais rapidamente possível, se ver livre de quaisquer condicionalismos às suas opções de fundo.

2019: arrogância reforçada e epidemia

O que marcou a legislatura 2015 a 2019 foi um processo importante, que não só rompeu com o processo de destruição que o anterior governo PSD/CDS estava a concretizar, como tornou possível não apenas a reposição de rendimentos e direitos roubados como foi até mais longe, com a concretização de novas e significativas conquistas.

Chegados a 2019, e no seguimento das eleições, houve um aspecto novo e diferente face a 2015: o PS reforçou-se em numero de votos, reforçou o número de deputados e, em grande medida, reforçou a sua arrogância. Em contrapartida, a CDU perdia força eleitoral, votos e deputados.

Tratou-se de um passo adiante na estratégia em curso, que passava pela tentativa de capitalizar para o PS e para o governo todos os aspectos positivos até ali então concretizados; pela intensificação da utilização do aparelho de Estado e dos meios ao serviço da sua estratégia (veja-se toda a dinâmica em torno das eleições autárquicas); pela procura de todos os pretextos para aumentar a chantagem e a pressão e abrir o caminho para a vitimização (os exemplos do tempo de serviço dos professores ou o IVA da energia são talvez os mais evidentes); pela aparente abertura para o «diálogo» e a «convergência» sempre que o resultado final fosse o ponto de partida do próprio PS.

2019 significou uma nova alteração da correlação de forças a favor do PS e deu início a uma nova fase e postura a partir do governo, que só não se acentuou  mais rapidamente tendo em conta a pandemia e tudo o que foi necessário responder face a uma situação extraordinária e nunca vivida – uma situação nova, muito difícil e cheia de incertezas que, para além de toda a realidade nova que criou, tornou evidente o conjunto de problemas estruturais do País acumulados ao longo dos anos.

OE 2022: vitimização e chantagem

A postura, a arrogância e as opções do PS face ao Orçamento do Estado de 2022 não foram nada mais do que um novo passo de uma estratégia há muito definida.

Numa altura em que havia necessidade de dar respostas e encontrar soluções aos problemas existentes e, também, condições financeiras para o fazer, ao invés de abrir caminhos de convergência e de estabelecer compromissos, o PS optou pela intransigência e por uma postura a roçar a demagogia, desistindo de procurar criar condições para esses caminhos necessários para o País.

Numa altura em que se exigia soluções, o PS assumiu a estratégia do capital e optou por eleições, elevando a um patamar até então nunca visto a narrativa da vitimização, chantagem e pressão.

O PS definiu à partida de onde nunca sairia, identificou três ou quatros questões para embandeirar e apresentar como cedências e depois foi para o «diálogo» do Orçamento com uma mão cheia de chantagem e outra de pressão. Foi assim nas matérias relacionadas com os salários, e em particular com o salário mínimo nacional; na manobra dos aumentos das reformas; nas opções de fundo de, em momento algum, afrontar os interesses do patronato relativamente à legislação laboral e do fim da caducidade da contratação colectiva; assim foi nas cedências aos grandes interesses do capital de não apostar de forma decidida no Serviço Nacional de Saúde e seus profissionais.

Intransigência, desistência de encontrar caminhos e soluções, opção de criar todas as condições para a vitimização e para responsabilizar terceiros pelas opções próprias – foi este o caminho meticulosamente perseguido e concretizado pelo PS.

Este era, em grande medida, um caminho simples para o próprio PS. Por um lado, podia tentar fazer aprovar o Orçamento do Estado, num quadro em que a epidemia evoluía positivamente, sem que para isso tivesse de assumir qualquer compromisso nem dar nenhum sinal com vista à resolução dos problemas que o País enfrenta. Procurando arrastar, dessa forma, o PCP e a CDU – caso cedessem à sua chantagem, para opções que não correspondem aos interesses e necessidades dos trabalhadores e das populações.

Por outro lado, e caso falhasse a operação em torno do Orçamento, teria sempre – como teve – a possibilidade de levar o País para eleições antecipadas, num momento em que tinha tudo para poder sair delas vitorioso, visando libertar-se de condicionalismos.

Pelo contrário, para o PCP e a CDU havia um único caminho, o da construção de soluções para os problemas do País, da resolução dos problemas que os trabalhadores e as populações enfrentam. Foi nele que nos concentrámos, agimos e lutámos.

Identificámos os problemas e os meios existentes para os enfrentar; avançámos com soluções e admitimos ajustes nas mesmas; fomos até onde era possível na procura de compromissos.

Sondagens e empates

O PS desistiu de soluções, transigiu por completo e colocou o PCP perante uma única alternativa: a de ceder à chantagem e, dessa forma, abandonar a luta pelo aumento dos salários, admitir as normas gravosas da legislação laborar (em particular a caducidade da contratação colectiva), contribuir para a destruição do Serviço Nacional de Saúde e a continuada desvalorização dos seus profissionais.

O PCP não cedeu, como não podia ceder, a essa chantagem.

Expressões como «a culpa é do PCP», que chumbou o Orçamento «mais à esquerda de sempre» ou que «ninguém compreende a opção do PCP em deitar abaixo o governo do PS e abrir a porta à direita», entre outras, passaram então a fazer parte da narrativa do PS, sendo multiplicadas por um autêntico exército de comentadores.

A pressão inexplicável do Presidente da Republica, que viu uma oportunidade para a concretização de acordos PS/PSD, o seu cutelo sob a dissolução da Assembleia, a intervenção do primeiro-ministro a escassos minutos da votação do Orçamento do Estado e os seus pedidos de maioria absoluta e a opção de não esgotar todas as possibilidades constitucionalmente consagradas após o chumbo do Orçamento, tornavam claro a cada dia que passava que o PS, o Presidente da República e o capital queriam mesmo eleições.

A narrativa do PS, tendo tido resultados visíveis, ficou aquém dos objectivos previamente definidos e pretendidos, manifestando-se insuficiente. Foi então necessário, com o papel central dos instrumentos ao serviço do capital (nomeadamente a comunicação social), dar mais um passo na campanha de chantagem e da falsa bipolarização, com a «operação sondagens» com os seus «empates técnicos». Em matéria de chantagem, pressão e instauração do medo, valeu tudo.

O medo, a memória e o significado do voto

O PS atingiu a maioria absoluta a partir desta «operação sondagens», do voto movido pelo medo. Neste quadro, é necessário reflectir sobre alguns elementos que decorrem desta realidade.

Desde logo, a rejeição massiva e mobilizadora face à ideia de PSD, CDS, Chega e IL voltarem ao poder, elemento de grande significado político e que está em sintonia com o que afirmámos durante toda a campanha – que os trabalhadores e o povo ainda não tinham esquecido o que passaram durante os governos do PSD/CDS.

Esta ideia, de grande significado, leva a outro elemento a reter: o voto expressivo no PS resulta da pressão, da chantagem e do chamado «perigo da direita», o que significa que em grande medida, e ao contrário do que PS procura fazer crer, é um voto que não referenda o seu programa de governo e o seu programa eleitoral nem muito menos é um voto que, por si só, signifique o apoio ao Orçamento do Estado e ao seu conteúdo.

O PS cairá no seu próprio engodo se considerar que a expressiva votação que obteve resulta do apoio às suas opções políticas de fundo. Muitos dos que deram o seu voto ao PS no quadro concreto em que se realizaram e condicionaram as opções eleitorais, serão os primeiros que, face aos seus problemas concretos e à não resolução dos mesmos, estarão na primeira linha de combate contra o governo de um partido em que votaram.

O novo quadro resultante das eleições e a satisfação manifestada pelo capital face aos mesmos deixa antever um realinhamento político, com todas as consequências que daí advirão para os trabalhadores, o povo e o País.

A chantagem do PS funcionou, mas todos os problemas de fundo e estruturais do País estão por resolver e, mais do que nunca, exigem medidas, compromissos e soluções.



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