A prova dos nove
Por curiosa coincidência, foi às nove da noite, mais segundo menos segundo, que na passada segunda-feira a RTP1 reuniu os líderes ou os representantes de nove forças partidárias para um debate tendo como imediata motivação o acto eleitoral do próximo dia 30. Com tão numerosa participação, seria excessivo optimismo esperar que das intervenções cruzadas emergissem preciosos nacos de esclarecimento: se em tempo de guerra não se limpam armas, em tempo de muitas vozes discordantes dificilmente se definem grandes verdades, mas o óbvio esforço da RTP para ser pluralista terá sido simpático. Entenda-se, porém, que da simpatia à eficácia vai uma distância maior que o salto de uma cobra cantado numa moda popular. Alguma coisa terá ganho quem tiver sido capaz, porventura por efeito de anteriores e repetidas experiências, de distinguir entre veracidade e batota, boa-fé e discursos manipuladores. E manda a verdade reconhecer que um resultado assim será dividendo bastante, até precioso, tendo em conta a televisão que temos e o seu histórico.
Todos os dias
Com cerca de duas horas de duração, este macrodebate dificilmente terá sido de grande proveito para a lucidez cívica de cidadãos eventualmente interessados em afinar a sua pontaria eleitoral e, de resto, nem a RTP terá tido a intenção de atingir esse objectivo nem os telespectadores que acompanharam o programa terão tido a ilusão de no programa colherem, enfim, ensinamentos que lhes possibilitariam uma escolha. Entretanto, daqui até à data das eleições, a RTP esforçar-se-á decerto por estar minimamente à altura dos seus deveres na circunstância ou, no mínimo, por preservar as conveniências, e é exactamente nessa preservação que se situará o fundamental. Não podemos ter a ilusão de supor que a estação pública de TV é exclusivamente habitada (ou, dizendo de outro modo, pilotada) por anjos de asas brancas e sem cartões de eleitor, mas podemos sonhar que esteja entregue a gente idónea sem que um tal sonho seja desmesurado. Ainda que passando por cima de um ou de outro aspecto que será de pormenor ou talvez não, podemos decerto dizer que este debate com tão numerosa presença foi, no mínimo, sinal de que a RTP reconhece os seus deveres de pluralismo (embora não se recomende que dele, pluralismo, faça uma caricatura). Resta que o dia 30 ainda não será amanhã, que até lá (e também depois dele, é claro) a isenção é um teledever incontornável, que os deveres democráticos são para todos os dias antes e depois de 30. Daqui se concluirá que, tendo este debate sido simpático e útil, não podemos ter uma TV pública, e também a outra, em dependência de episódicos sentidos do dever: a “nossa” televisão tem de ser séria e plural todos os dias. Isto é: tem de ser verdadeiramente nossa.