Electricidade: preços e tarifas reguladas
Quanto mais consumidores regressarem ao mercado regulado, melhor
Em artigo publicado aqui no Avante! deixaram-se registadas as razões políticas que determinaram os elevadíssimos preços/tarifas da electricidade em Portugal, empurrados para o topo dos países europeus com electricidade mais cara. Também foram já analisadas as dinâmicas de intensa subida do preço da electricidade no mercado grossista (Mibel) sentidas a partir de meados de 2021.
O pico das tarifas/preços foi atingindo em 2016, tendo depois, até 2020, fruto de novas condições parlamentares e da acção do PCP, sido possíveis algumas intervenções político-administrativas e regulatórias favoráveis aos consumidores, em particular quanto à manutenção de um mercado regulado onde se pratica a tarifa de venda aos consumidores finais (TVCF).
A proposta elaborada pela entidade reguladora (ERSE) para 2022, aprovada pelo Governo e já publicada, veio, apesar da intensa alta de preços que ainda ocorre no Mibel, apontar para uma subida da TVCF de «apenas» 0,2 por cento.
De facto, não obstante a astronómica subida que ainda ocorre no Mibel (embora menos), os sobrecustos com a produção eléctrica projectados nos CIEG – Custos de Interesse Geral Económico descem, em 2022 cerca 1 635 milhões de euros, o que constitui um acontecimento extraordinário. Como é possível esta alquimia regulatória?
De facto, a parte dos CIEG incluídos nas tarifas 2022 baixam 187,5 milhões, tendo como consequência uma significativa descida na Tarifa de Uso Geral do Sistema (UGS) e nas diversas tarifas reguladas de acesso às redes.
Até ao segundo trimestre de 2021, o Mibel, lançado em Julho de 2007, não tinha trazido nenhuma vantagem real aos pequenos e médios consumidores. Esta bolsa eléctrica disparou desde meados de 2021 levando os preços até níveis astronómicos (entre 200 e os 400 euros/MWh), que nos anos transactos andavam entre 40 e 70 euros/MWh. Isso aconteceu não apenas devido à alta nos preços internacionais do gás natural, mas, sobretudo, aos mecanismos perversos adoptados, por influência da União Europeia, nestes mercados grossistas.
A ERSE procedeu então à revisão do custo de aquisição no Mibel pela SU Electricidade, empresa do grupo EDP que abastece os consumidores do mercado regulado, e que é, simultaneamente, CUR – Comercializador de Último Recurso. Esse custo é a referência para a fixação da Tarifa de energia, e, por isso, na proposta para 2022 apontou-se um custo médio de 105,50 euros/MWh.
Como esse preço está acima do preço garantido aos produtores baseados em energias renováveis (eólicas e solares), situado em 90 euros/MWh, há um diferencial favorável que se traduz numa redução dos CIEG, e, por isso, na Tarifa UGS e na TVCF. Contudo, se os preços no Mibel regressarem ao «normal» esse diferencial voltará a significar um custo ou diferencial negativo, pressionando os CIEG e logo as TVCF.
Reparar que, na proposta de tarifas para 2021, se apontava para 49,52 euros/MWh, depois, em Julho de 2021, passou-se para 52,02, e, em Setembro de 2021, reviu-se em alta para os 73,24. A ERSE determinou então uma actualização das tarifas de energia (+ 5 euros/MWh) e, concomitantemente, a subida de 3 por cento das TVCF em Outubro de 2021 para os consumidores do mercado regulado. A tarifa paga por estes consumidores «só» aumentou 0,2 por cento em Janeiro 2022 porque, três meses antes já tinha havida uma subida de 3 por cento que, aliás, não impactou os consumidores no liberalizado.
Referir que a manutenção da TVCF e de um mercado regulado se deve muito à pressão e às propostas do PCP. Por vontade do PSD/CDS, da troika, do regulador e, até, de parte do PS, já teriam sido totalmente extintos, para dar lugar aos preços do mercado liberal da electricidade. O seu relevante papel na contenção das tarifas aos consumidores domésticos é cada vez mais evidente, e não apenas para os do mercado regulado. Embora a tarifa regulada também esteja pressionada por um processo regulatório amigo das empresas eléctricas, se ela desaparecesse os consumidores/clientes ficariam completamente nas mãos do oligopólio.
Como se vê pelo registado, e por muita perplexidade que isso possa causar no leitor, quando os preços voltarem a descer no mercado grossista, tudo poderá, de novo, piorar nos mercados reais, subindo os preços/tarifas tanto no regulado, como no liberalizado!
Sublinhar que quase todas as comercializadoras aumentaram já, entre 2 e 4 por cento, os preços para 2022 no mercado liberalizado. Até as entidades que representam grandes consumidores como a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), referem, alarmadas, que apesar das descidas nas tarifas de acesso, contabilizadas em cerca de 30 a 40 por cento, se está a assistir a aumentos reais entre os 60 a 70 por cento.
Em conclusão: garantir tarifas de energia eléctrica compatíveis com o poder de compra dos portugueses e sem pôr em causa a competitividade da economia nacional, exige um conjunto de medidas estruturais, como reassumir o controlo público das principais operadoras do Sistema Eléctrico (caso da EDP e REN), a reformulação das regras do Mibel e o fim da subsidiação às produções com renováveis, uma das principais razões das rendas excessivas. Continua, assim, a ser decisiva a manutenção das tarifas reguladas/TVCF, por muito grandes que sejam os protestos das empresas comercializadoras e dos adoradores do liberalismo energético.
E, quanto mais consumidores regressarem ao mercado regulado, melhor será para todos.