Opção do PS e da direita agrava o drama de quem está em risco de perder a habitação
Milhares de famílias correm o risco de vir a perder a sua casa muito em breve. Há uma razão para isso e os seus responsáveis têm nome: o PS e toda a direita, que se recusaram a prolongar o regime extraordinário de protecção dos inquilinos.
Milhares de famílias estão sob a ameaça de ficarem sem casa
Pôr cobro a essa ameaça que paira sobre um grande número de pessoas, evitando que fiquem desalojadas já a partir de Janeiro próximo, tal era o propósito do projecto de lei que o PCP levou a debate, dia 17, em agendamento potestativo.
Tratava-se de prolongar até 31 de Dezembro de 2022 o regime extraordinário de protecção dos arrendatários, uma medida que foi elaborada para atenuar os efeitos socioeconómicos decorrentes da epidemia.
O diploma tinha em vista responder a situações particularmente prementes, seja no «regime de protecção aos arrendatários e de regularização de pagamentos em mora, seja nas questões mais imediatas e graves da actual Lei dos Despejos», como é referido na sua nota preambular.
«É uma evidência que continuamos perante a necessidade incontornável de respostas efectivas na protecção e apoio aos inquilinos, porque os problemas continuam a fazer-se sentir», justificou, logo a abrir a discussão, o deputado comunista Bruno Dias, não escondendo a sua preocupação por se poder estar na iminência de o problema assumir contornos ainda mais graves. «Pode abater-se sobre dezenas de milhares de famílias, de pessoas idosas, com baixas reformas, com a famigerada Lei dos Despejos a aplicar-se, já a partir de Janeiro, a todos os contratos de arrendamento anteriores a 1990», advertiu o parlamentar do PCP, anotando que se a situação já era de «extrema gravidade», o que pode estar para vir, se nada for feito, colocará o País perante uma «verdadeira emergência social».
A faca e o queijo...
Em causa estão contratos mais antigos, envolvendo em larga medida situações de «pessoas mais idosas, mais vulneráveis socialmente, tantas vezes com as suas vidas marcadas pela solidão, pela pobreza, por problemas de saúde, e que a partir de Janeiro podem ter o senhorio a aplicar a Lei dos Despejos, colocando-as na rua para “libertar” a casa e fazer negócios mais rentáveis», insistiu em denunciar Bruno Dias.
Foi esta realidade, pois, que o Grupo Parlamentar do PCP colocou no centro do debate. E exemplificou-a trazendo à colação os já «incontáveis» casos de inquilinos que, ao abrigo do Novo Regime do Arrendamento Urbano aprovado por PSD e CDS, «tiveram de sair de suas casas, não por se recusarem a pagar a renda, mas porque o senhorio (ou o fundo imobiliário) passou a ter a faca e o queijo na mão para denunciar o contrato e passar a cobrar de renda o dobro ou o triplo».
Lembrados, a este propósito, foram ainda os casos dramáticos de famílias monoparentais com emprego e salário que, depois de confrontadas com um «aumento exorbitante da renda», andam agora de «sacos às costas, de abrigos para pensões, com as crianças a terem de ir à escola, sem apoios nem alternativas».
Dado por João Oliveira, aludindo às situações de desprotecção em que se encontram os arrendatários devido à Lei Cristas, que não poupa nem mesmo aqueles que se encontram em situação de especial vulnerabilidade, foi também o exemplo das 150 famílias que perderam as suas casas, praticamente do dia para a noite, «num negócio entre a Fidelidade e um fundo imobiliário, para garantir a especulação imobiliária e, por essa via, a obtenção de lucros milionários».
O direito à habitação
Bem se compreende, neste quadro, a importância de prolongar o regime transitório criado para proteger os inquilinos, particularmente aqueles que são mais desfavorecidos. Esse era, de resto, o grande desafio que estaca colocado aos partidos neste debate. Pela parte do PCP, consciente do gravíssimo problema social que é a habitação no nosso País, a resposta foi inequívoca: só o prolongar do regime extraordinário de protecção dos inquilinos garante o direito à habitação.
Lamentavelmente, a mesma disponibilidade para equacionar soluções não revelaram nem o PS nem as bancadas à sua direita. Destas, aliás, sabia-se à partida que nada havia a esperar. E saltou à vista que, verdadeiramente, os únicos interesses que defendem nada têm a ver com os inquilinos. «Nem uma palavra de preocupação pelos arrendatários se ouviu no debate», verberou, no final, o presidente da bancada do PCP, João Oliveira. Pelo contrário, o que se ouviu foram frases lapidares como a que saiu da boca da deputada laranja Márcia Passos, entendendo não fazer sentido que «os senhorios continuem à espera que os arrendatários, que já deviam ter entregado os imóveis em 2020, passem a entregá-los no final de 2022».
E por isso o líder parlamentar comunista acusou PSD, CDS e seus sucedâneos reaccionários de defenderam «a ideologia do negócio contra a ideologia da defesa do direito à habitação; da transformação do Estado no braço armado dos despejos contra a ideologia da defesa da habitação como um direito e do direito à estabilidade e à protecção do arrendamento».
Falaciosa foi, por seu lado, a argumentação do PS, ao invocar que foi o chumbo do Orçamento do Estado para 2022 que impediu soluções concretas. A resposta não se fez esperar e veio pela voz de António Filipe: «O PS ao recusar propostas para resolver problemas concretos, dizendo que os resolveria no Orçamento, o que está a demonstrar é que não quer resolver agora e também não queria resolver no debate orçamental».
Logro desmascarado
O PS, por intermédio da deputada Maria Begonha, procurando justificar a sua indisponibilidade para prolongar o regime extraordinário de protecção aos arrendatários, alegou ainda que é preciso aguardar pelos resultados dos censos para criar respostas concretas.
Condenando essa recusa do PS em dar resposta a um problema candente, António Filipe considerou que as pessoas o que «devem ler nessa afirmação não é depois do resultado dos censos, é depois das eleições de 30 de Janeiro».
E concluiu, desmontando o ardil e a jogada eleitoralista: «O PS não quer resolver o problema agora, para depois aparecer a prometer às pessoas, em vésperas de eleições, que vai resolver depois».
Coveiros das MPME
As responsabilidades de PSD e CDS pela agravamento brutal das rendas, que obrigou muitas micro, pequenas e médias empresas (MPME) a fechar portas ou a deslocalizar-se, também ficaram expostas com clareza no debate. Coube ao deputado comunista Duarte Alves lembrar os casos de cidades, como Lisboa ou Porto, onde, fruto da Lei dos Despejos, tem vindo a assistir-se à «expulsão do comércio tradicional para instalar lojas, algumas delas de cadeias apenas para turista ver», «acabando com o ganha pão de muitas daquelas empresas».
«Essa conjugação verdadeiramente explosiva da Lei Cristas com a especulação imobiliária, particularmente aquela a que assistimos entre 2016 e 2019, transformaram o que era até aí uma preocupação na constatação de uma realidade verdadeiramente dramática em relação à habitação.»
João Oliveira
«Se nada for feito, como o PCP propõe, são as famílias em situação de maior fragilidade do ponto de vista económico e social que estão na linha da frente de poderem vir a ser despejadas, de perderem a habitação, e que devido aos baixos rendimentos que auferem não têm nenhuma possibilidade de encontrar uma solução de habitação, dado os preços proibitivos do arrendamento.»
Paula Santos
«O PS encontrou na proposta de OE 2022 a panaceia que resolveria todos os males. Para qualquer problema que seja detectado na sociedade portuguesa, vem dizer que se o OE tivesse sido aprovado resolvia esse problema. Ora, o que acontece é que o PS não só não quis que o Orçamento fosse aprovado, recusou qualquer convergência capaz de levar à sua aprovação, como agora vem dizer que não aprova as propostas para resolver problemas concretos, dizendo que as resolveria no Orçamento, quando isso não é verdade.»
António Filipe
«Se é verdade que o PSD, junto com o CDS, tem responsabilidades na aprovação dessa lei [dos despejos], não é menos verdade que o PS sempre se recusou a revogar essas normas, aliando-se à direita, e assim colocando os grandes interesses dos fundos imobiliários acima dos interesses de muitos dos arrendatários comerciais.»
Duarte Alves
«A lei do arrendamento em vigor não serviu para aumentar os níveis de arrendamento, o que se verificou foi precisamente um movimento em sentido inverso. O que fez foi promover os despejos.
A especulação mais a Lei Cristas foi e continua a ser uma mistura explosiva, que esvazia os centros das cidades e nega o direito à habitação a muitos portugueses.»
Alma Rivera