Há 80 anos travava-se a batalha de Moscovo

A primeira derrota militar do nazi-fascismo

Gustavo Carneiro

A batalha de Moscovo (talvez «por» Moscovo fosse mais apropriado), que se travou entre o final de Setembro de 1941 e Abril de 1942, marcou o fim do mito da invencibilidade nazi-fascista, construído em mais de dois anos de conquista rápida e praticamente sem resistência de quase toda a Europa continental. Esta façanha do Exército Vermelho, dos comunistas e do povo de Moscovo, dirigidos pelo seu Partido, fez-se de coragem, determinação e sacrifício. E abriu caminho a outras, decisivas, vitórias.

Na resistência à das forças nazi-fascistas empenhou-se todo o povo soviético, dirigido pelo Partido Comunista

Quando as forças nazi-fascistas iniciaram o ataque contra a capital soviética, talvez a 30 de Setembro de 1941 (a data exacta não é unânime), não tinham sofrido ainda, em mais de dois anos de guerra, qualquer derrota militar. A invasão da Polónia, dois anos antes, bem pode ter motivado a declaração oficial de guerra por parte de britânicos e franceses, mas não se traduziu em qualquer acção bélica durante nove longos meses, até Abril de 1940.

A explicar esta que ficou conhecida por estranha guerra está um objectivo partilhado pelas elites políticas e económicas das potências imperialistas europeias, tanto fascistas como «democráticas»: o de dirigir a guerra contra o primeiro Estado socialista do mundo, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, visando a sua destruição. Fica assim mais clara a razão pela qual a evidente superioridade militar anglo-francesa na Europa continental não foi utilizada logo em Setembro de 1939 contra o inimigo declarado.

Tanto o general Nikolaus von Vormann, do estado-maior de Hitler, como o próprio chefe da Wermacht, Alfred Jodl, reconheceram isso mesmo: tivesse essa extraordinária máquina militar sido imediatamente lançada contra as forças nazi-fascistas e a guerra teria sido bem breve.

Mas este tenebroso plano dos dirigentes das chamadas «democracias ocidentais», que entregou a Polónia ao nazi-fascismo, como antes fizera com a Checoslováquia e com Espanha, teve consequências dramáticas também para os seus próprios países e povos. Determinado em não combater em duas frentes, Hitler virou-se para Ocidente antes de apontar ao seu objectivo principal.

Em poucas semanas, os exércitos nazis e a sua Guerra Relâmpago derrotam e ocupam a Dinamarca, a Noruega, os Países Baixos, a Bélgica, o Luxemburgo e, finalmente, a própria França, que capitula de forma humilhante. O país é dividido entre uma zona ocupada e o regime colaboracionista de Vichy, o exército é desmobilizado e desarmado, os mais de 300 mil soldados britânicos instalados no país são forçados a retirar para Inglaterra.

Entre Agosto e Setembro de 1940, as principais cidades britânicas foram alvo de violentos bombardeamentos, mas o desembarque nazi-fascista acabou por não se concretizar. Graças à tenacidade do seu povo, a Grã-Bretanha não sofreu o flagelo da ocupação nazi, que não pouparia os povos da generalidade dos países europeus.

O caminho para Leste estava agora aberto e a invencibilidade nazi parecia então bem mais do que um mero slogan de propaganda.

Da resistência tenaz à primeira vitória

Se foi às portas de Moscovo que o nazi-fascismo sofreu a sua primeira derrota militar em toda a Segunda Guerra Mundial, os seus problemas começaram meses antes, logo nos primeiros momentos da invasão à União Soviética, iniciada a 22 de Junho de 1941: ao contrário do que sucedera em toda a guerra anterior, as tropas hitlerianas confrontaram-se ali, pela primeira vez, com uma resistência efectiva – na Fortaleza de Brest, na Ucrânia, na Crimeia, às portas de Leninegrado – que atrasou consideravelmente o ritmo do seu avanço e obrigou o estado-maior alemão a redefinir uma e outra vez os seus objectivos militares.

Fracassada a guerra relâmpago – chegou a ser fixado o prazo de oito a 10 semanas para derrotar a União Soviética –, os nazi-fascistas previram a queda de Moscovo até ao início do Inverno de 1941. Quanto ao destino da capital soviética, estava traçado há muito: tal como Leninegrado (cercada durante 900 dias mas nunca tomada) deveria ser varrida da face da terra e os seus habitantes eliminados.

Foi, pois, um combate pela independência e pela liberdade, mas também pela própria vida, o que se travou durante meses nas imediações de Moscovo. A ofensiva inicial, de impressionante violência, provocou sérios danos, mas os soviéticos resistiram tenazmente. A cada ataque repelido, abalava-se a confiança dos invasores ao mesmo tempo que se reforçava a dos resistentes. A carta de um soldado alemão, de nome Volheimer, enviada à sua mulher a partir da frente de batalha é particularmente reveladora: «Isto é o inferno. Os russos não querem deixar Moscovo. Eles começaram a atacar. Cada hora que passa traz notícias terríveis para nós. Por favor, pára de me escrever sobre seda e botas de borracha, que eu prometi trazer-te de Moscovo. Entende, eu estou a morrer, eu vou morrer. Consigo senti-lo.»

Já em Dezembro de 1941, os soviéticos davam como falhado o plano nazi-fascista de cerco e tomada de Moscovo e em Abril do ano seguinte consumavam a vitória. As forças invasoras foram obrigadas a recuar centenas de quilómetros sofrendo baixas pesadíssimas: nos arredores de Moscovo, perderam meio milhão de homens, 1300 tanques, 2500 canhões e mais de 15 mil veículos. Quanto aos soviéticos, libertaram 11 mil localidades, incluindo 60 cidades.

Com esta derrota, as tropas nazi-fascistas passaram à defensiva durante todo o Inverno e Primavera de 1942, não tendo forças suficientes para atacar simultaneamente em toda a frente. Longe de estarem ainda totalmente vencidos, sofreram um pesado golpe nas suas intenções: o mito da sua invencibilidade morreu ali, juntamente com tantos dos seus soldados.

Recordando a batalha de Moscovo, o general Georgi Jukov garante que foi precisamente aí que as tropas soviéticas «amadureceram, ganharam experiência e (…) transformaram-se de um exército em retirada numa poderosa força ofensiva». Em Moscovo, escreveria nas suas Memórias, criou-se uma «base sólida para a subsequente derrota da Alemanha nazi».

Patriotismo, coragem
e… o Partido

Quando se travou a batalha de Moscovo, as forças soviéticas estavam ainda em clara desvantagem face às tropas nazi-fascistas, em homens como em equipamento (só mais tarde se inverteria esta tendência). Assim, se o génio militar dos generais soviéticos e a tenacidade dos soldados foram fundamentais para a vitória, estão muito longe de explicar tudo. A convicção por parte do povo soviético de que travava uma guerra justa – factor já identificado por Lénine décadas antes – e o papel dirigente do Partido Comunista foram também determinantes para a resistência e para a vitória.

Na frente de combate, o Exército Vermelho combatia até à morte por cada centímetro da pátria soviética, enquanto na retaguarda os guerrilheiros provocavam pesados danos às forças ocupantes. Durante a batalha de Moscovo, destruíram pontes, estradas, vias de transporte e comunicação, veículos e material bélico. Em 1941, o general Rokossovsky, destacava desta forma o seu papel: «Além de golpearem o inimigo, os guerrilheiros proporcionavam-nos uma grande ajuda, fornecendo dados sobre a situação das tropas fascistas e da sua retaguarda. (…) Da nossa parte, fornecíamos aos guerrilheiros armas, munições, material explosivo; a secção política transmitia-lhes materiais para serem difundidos entre a população.»

Se muitos dos grupos guerrilheiros se constituíram de modo mais ou menos espontâneo, o Partido assumiu um papel central na resistência nas zonas ocupadas. Ao apelo geral à resistência feito quase de imediato pelo governo soviético, exposto na comunicação radiofónica de Josef Stáline de 3 de Julho de 1941 (poucos dias após o início da invasão), seguiu-se uma resolução do Comité Central, datada de 18 de Julho, com directrizes específicas para a «organização da luta na retaguarda das tropas alemãs».

Em Moscovo, como noutras cidades e vilas da imensa União Soviética, a guerra era assumida por todo o povo – era a Grande Guerra Patriótica. Em plena ofensiva contra a capital, milhares de moscovitas ergueram barreiras defensivas em torno da cidade – 360 quilómetros de trincheiras e 611 de barragens de arame farpado anticarro – ao mesmo tempo que instalavam peças de artilharia em locais estratégicos. Extraordinária foi ainda a camuflagem do Kremlin, do Mausoléu de Lénine e de outros edifícios estratégicos ou simbólicos, de modo a que não fossem identificáveis a partir dos aviões inimigos.

Ao apelo do Comité Central do Partido Comunista, formaram-se em poucos dias 12 divisões de voluntários, compostas por 160 mil pessoas (das 300 mil que solicitaram alistamento) que tinham sido consideradas isentas do serviço militar. Outros 18 mil integraram-se em 28 batalhões de voluntários para liquidação de tanques. Metade de todos estes voluntários eram comunistas.

A transferência para o interior do país de fábricas, matérias-primas, veículos, institutos vários, bem como de milhares de operários, técnicos e respectivas famílias, foi outra epopeia só possível graças à organização e disciplina do Partido Comunista da União Soviética e dos seus dirigentes, quadros e militantes.

Tudo isto contou, e de que maneira, para a vitória. Em Moscovo, na União Soviética e em todo o mundo.

A parada de 7 de Novembro de 1941

Respondendo a um jornal norte-americano, que o desafiava a partilhar momentos dramáticos da batalha de Moscovo, o correspondente soviético Evguéni Petrov afirmou que ali não houvera drama, ao contrário dos cenários noutras cidades europeias, onde «fugiam ministros» e generais «entregaram ao inimigo vitorioso as espadas e as divisões». Em Moscovo, houve sim «quadros épicos».

A parada militar de 7 de Novembro de 1941 foi sem dúvida um deles. Com o inimigo às portas da capital, sendo a perda da cidade ainda uma possibilidade bastante real, a direcção do Partido Comunista e do Estado Soviético decidiram celebrar a Revolução Socialista de Outubro com o tradicional desfile militar: muitos dos quase 30 mil soldados participantes seguiram directamente para a frente de combate.

A estrela vermelha no topo do Kremlin voltou a brilhar e o Mausoléu de Lénine descobriu-se para o momento solene. A direcção política e militar do país ali estava, junto com os habitantes de Moscovo, unida e determinada a defender a cidade.

Nas memórias de muitos veteranos este surge como um momento inspirador, decisivo para alargar a confiança na possibilidade de resistir. E de vencer.