85 anos e agora
Faz por estes dias 85 anos que o primeiro grupo de 152 presos inaugurou a Colónia Penal do Tarrafal, nome oficial do Campo de Concentração instalado pelo fascismo numa das mais inóspitas e insalubres zonas da ilha de Santiago, em Cabo Verde. Dos presos, na maioria jovens, uns ali chegaram já com penas cumpridas e outros nem formalmente condenados chegaram a ser.
Naquele rectângulo de arame farpado (como lhe chamou Pedro Soares, que ali esteve sete anos), pouco mais havia do que umas tendas de lona onde os presos se amontoavam, sujeitos ao calor como ao frio. Os trabalhos forçados eram diários e violentos e as punições frequentes. Na Frigideira, onde a temperatura chegava aos 50 graus, os presos castigados enfrentavam longos períodos de fome, sede e solidão.
Se no decreto n.º 25539, que a oficializara em Abril de 1936, se afirmava que a dita Colónia Penal visava «recolher os presos condenados a pena de desterro, pela prática de crimes políticos», os seus reais objectivos não eram assim tão limitados. Ao Campo da Morte Lenta chegava-se para morrer, como fazia questão de informar o seu primeiro director, o confesso nazi Manuel dos Reis. Já o médico, Esmeraldo Pais Prata, não era menos claro: não estou aqui para curar, mas para passar certidões de óbito.
Tinham razão, os dois carrascos: só no primeiro período de funcionamento do Campo de Concentração, entre 1936 e 1954 (voltaria a abrir já na década de 60 para encarcerar membros dos movimentos de libertação), morreram 32 presos, vítimas de maus tratos, da alimentação precária, do paludismo, da falta da mais elementar assistência médica. Outros, não tão poucos assim, foram libertados com a vida por um fio, apenas para morrerem em casa, longe da prisão e, dessa forma, excluídos da macabra contabilidade.
Enterrados, um após outro, num cemitério improvisado junto à praia, os heróis assassinados no Tarrafal seriam trasladados para Portugal em 1978, estando os seus restos mortais depositados no cemitério do Alto de São João, em Lisboa, num monumento que os evoca, a eles, que na longa noite do fascismo foram portadores da chama da liberdade e pela liberdade morreram: um deles é Bento Gonçalves, Secretário-geral do PCP, morto aos 42 anos – o mesmo destino que teria, não muito depois, o seu congénere alemão Ernst Thäelmann, no Campo de Concentração de Buchenwald, gémeo do Tarrafal na Alemanha de Hitler.
Vem isto à baila pelo permanente dever de memória do que foi o fascismo em Portugal, que alguns (e não apenas os mais óbvios) pretendem hoje suavizar e branquear, para que do esquecimento se facilite o regresso a um tempo de exploração máxima e direitos mínimos. Porque é sempre por aqui que se começa.