Aproveitar

Correia da Fonseca

Mais que uma estória verdadeira, é uma realidade trágica de que decerto todos nos lembramos até por ser um acontecimento ainda relativamente próximo no tempo: desapareceu uma criança inglesa de quatro anos, em férias com a família no nosso tranquilo Algarve, presumindo-se que tenha sido raptada. De então para cá decorreram investigações e avançaram-se explicações hipotéticas, tudo sempre naturalmente com o desespero dos pais da criança em fundo, mas sem que tenha surgido alguma pista minimamente sólida. A partir de certa altura a televisão, designadamente a CMTV, apontou um suspeito, um sujeito alemão de que exibiu a cara e de que referiu a identidade, mas que de meramente suspeito não passou até agora. Nos dias mais recentes a mesma CMTV pareceu acentuar essa indicação que, esperemo-lo, poderá ter o mérito de contribuir para algum esclarecimento do mistério.

Fazer escolhas

Digamos que até este ponto as coisas estão mais ou menos certas, no mínimo aceitáveis. Começam, contudo, a deixar de o estar assim quando o Caso Maddie, chamemos-lhe assim, começa a servir de introdução para que na televisão, sobretudo na CMTV mas não apenas nela, comecem a surgir estórias supostamente verdadeiras se não de outras Maddie, pelo menos com o Caso Maddie vagamente aparentadas. Trata-se manifestamente de uma situação a que se pode aplicar a velha fórmula que ensina que no aproveitar é que está o ganho. Acontece, porém, que nem todos os aproveitamentos, como nem todos os ganhos, são aceitáveis ou eventualmente virtuosos: também numa situação destas é preciso fazer escolhas e cuidar de critérios. O desaparecimento de Maddie, esteja ela viva ou não, é de uma gravidade suficiente para que imponha respeito e impeça que à sombra dele cresçam oportunismos, e é mais que provável que continue aberta a ferida aberta nos corações dos pais de Maddie: não se faça negócio ignorando-a. Ou dizendo de outro modo: mantenha-se o simpático exercício de fazer TV com um grau de higiene bastante para que não suscite repugnância nos telespectadores com alguma talvez obsoleta exigência ética.




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