Eles, de novo

Correia da Fonseca

Andam muito frequentadores desta coluna, eles, os pobres. Não sem razão, entenda-se: como aliás já aqui foi explicado, são muitos sobretudo para a relativa exiguidade do território nacional, dois milhões e duzentos mil segundo a mais recente informação prestada pela RTP. Significa este número que cerca de um em cada lote de cinco cidadãos portugueses é pobre; o que ele não explicita é o que é isso de ser pobre num país que ele próprio está longe de ser rico ou de estar perto disso. Já nesta coluna ficou exarada num destes dias a conveniência, se não a necessidade nacional, de abordar com olhos de ver e palavras de explicar o que é isso de ser pobre aqui e agora: já que tantos de entre nós são pobres, pelo menos que saibamos ao certo o que isso concretamente significa. Embora muitos de nós, mais de dois milhões, saiba o que isso é por experiência própria mais ou menos amarga.

 

Não apenas para saber

Ainda no passado domingo e à hora do jantar (pelo menos para aqueles que ainda mantêm o que mereça de facto o nome de jantar) se falou dos portugueses pobres, o que parece garantir que pelo menos a RTP não os esquece de todo ainda que não os lembre tanto e de tal modo quanto seria preciso. E justo. Melhor: e imperioso. Mas esta virtuosa e bonita prática da RTP de falar-nos dos pobres e, implicitamente, de sugerir que eles mereceriam melhor destino, é insuficiente: o que cabe inteiramente nos deveres da estação pública de TV é participar activamente numa ofensiva geral para a redução drástica do número de portugueses pobres, e essa ofensiva bem poderia começar por nos mostrar tão ao vivo quanto possível o que é isso de ser hoje pobre em Portugal. Em verdade, fala-se de pobres, falam deles talvez os que jantam todos os dias, decerto são muitos os que lamentam a sua existência, mas a pobreza em Portugal mantém-se no domínio da abstracção para os que, felizmente para eles, não são pobres. A mutação dessa abstracção numa realidade susceptível de ser olhada e ouvida é uma tarefa que cabe à RTP e que, pelos vistos, ela ignora. Na verdade, é uma grande parte do país real que está como que à espera de que se dê por ela. Não apenas para que se saiba: também para agir.




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