Orlando Gonçalves nasceu há 100 anos
Assinala-se no próximo dia 15 de Agosto 100 anos sobre o nascimento de Orlando Gonçalves, cujo nome está intimamente ligado ao Notícias da Amadora, que antes do 25 de Abril ocupou, em luta constante contra a censura, um lugar central na informação e na mobilização antifascistas.
Orlando Gonçalves concretizou projectos editoriais como o Centro Bibliográfico, a Colecção Horizonte, a editora Orion e o Jornal Notícias da Amadora
Nasceu no bairro do Rio Seco, Ajuda, Lisboa, e foi aí que nele despertaram as noções de interesse comum, comunidade e acção política, adquirindo conhecimento prático sobre os fenómenos sociais e as estruturas de coerção de classe. Foi aí também que começou um percurso ligado à promoção de actividades culturais, à iniciação na escrita e ao estabelecimento de relações sociais que o capacitaram, em termos de pensamento crítico, para interpretar a realidade e alargar horizontes.
Quer o pai, torneiro mecânico e arsenalista, quer a mãe, costureira, nascida na província de Badajoz, quer a escola de A Voz do Operário, na Calçada da Ajuda, quer ainda os livros a que acedeu de um tio republicano incutiram-lhe o gosto pelo conhecimento e pela justiça. O pai, com outros operários, fundou uma escola para os filhos dos sócios da associação recreativa Sporting Clube do Rio Seco. E a mãe, apreciadora das artes cénicas, transmitiu-lhe esse amor que o levou à criação de um grupo de teatro no clube e à promoção de colóquios, palestras e uma feira do livro, com participação de cientistas e intelectuais da capital.
Incorporado no Exército, em 1942, foi preso pela Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), em 1943, acusado de pertencer ao Socorro Vermelho Internacional. A prisão no Aljube e Caxias determinou a vigilância que sobre ele se abateu durante 31 anos como resistente ao fascismo, de que só se libertou em 25 de Abril de 1974, quando se encontrava de novo preso em Caxias.
Estreou-se como escritor em 1948 com o romance Tormenta, que foi proibido pela Censura e apreendido pela PIDE. A experiência adquirida e a necessidade de encontrar meios para reproduzir a obra literária, quer sua quer de outros autores, levaram-no à concretização de projectos editoriais como o Centro Bibliográfico, a Colecção Horizonte, proibida pela Censura, e a editora Orion.
Saído da prisão em 1944, retomou a sua intervenção cívica e política, acompanhando a actividade do Movimento de Unidade Nacional Antifascista (MUNAF) e aderindo ao Movimento de Unidade Democrática (MUD), em 1945. Em 1951, dirigiu o programa radiofónico quinzenal «Literatura e Artes», que ia para o ar na Rádio Peninsular e que acabou encerrado por pressão da PIDE.
Participou em 1956 na comissão organizadora da Sociedade Portuguesa de Escritores e, em 1958, na campanha eleitoral de Arlindo Vicente à Presidência da República. Mas a sua vida mudou quando, no início dos anos 60, perdeu o emprego que tinha numa multinacional francesa, em consequência de pretender melhorar as condições laborais e benefícios dos trabalhadores. Passou a exercer trabalhos esporádicos até assumir funções no semanário Notícias da Amadora, a partir de Junho de 1963.
Iniciou então a actividade jornalística – já tinha colaborado nos periódicos Planície, de Moura, Primeiro de Janeiro, do Porto, e Modas e Bordados, de Lisboa – que exerceu até à sua morte em 8 de Novembro de 1994. No seu primeiro editorial, em 26 de Junho de 1963, anunciou o objectivo de editar um jornal que teria a verdade como postulado e a razão e a justiça como o seu norte. Jornal local, o Notícias da Amadora irá alcançar expansão regional e nacional. Participou na Comissão Democrática Eleitoral (CDE), em 1969 e 1973, e no 3.º Congresso da Oposição Democrática de Aveiro, em 1973.
A sua resistência, no sentido de afrontar a ditadura e a censura — designadamente inscrever na esfera pública os temas e acontecimentos que a ditadura queria ocultar, e imprimir nas oficinas gráficas obras de várias editoras ou dos sindicatos fundadores da Intersindical —, determinaram a sua prisão em 18 de Abril de 1974. No interrogatório a que foi submetido em 24 de Abril, véspera da revolução, o inspector José Pinto Galante ameaçou liquidá-lo e encerrar no dia seguinte a tipografia e por arrasto o jornal.
Libertado da prisão de Caxias pelo M.F.A. em 25 de Abril, a sua militancia política desenvolve-se como presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Oeiras, a que presidiu até às primeiras eleições autárquicas. Imprimindo dinamismo à concretização de novas práticas e à resolução de problemas sociais no município de Oeiras, assim como o seu contributo nas páginas do Notícias da Amadora, ao interpretar o sentimento da população da freguesia, contribuiram decisivamente para a sua separação administrativa de Oeiras e à criação em 1979 do novo município da Amadora, o primeiro constituído após o 25 de Abril.
Foi membro da Comissão Concelhia do PCP de Oeiras e da Amadora.
Além de presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Oeiras (de 11 de Junho de 1974 a 3 de Janeiro de 1977), foi membro da Assembleia Municipal de Oeiras (Janeiro de 1977-Dezembro de 1979) e da Assembleia Municipal da Amadora (Dezembro de 1993-Novembro de 1994). Foi homenageado pela Câmara Municipal de Oeiras, enquanto presidente da Comissão Administrativa, e agraciado em 1989 com a Medalha de Ouro da Cidade da Amadora.
A Câmara Municipal da Amadora prestou-lhe homenagem póstuma em 1997 com a exposição «Notícias de Orlando Gonçalves» e, em 1998, o seu nome passou a designar o prémio literário instituído pela Câmara Municipal da Amadora. O Prémio Literário Orlando Gonçalves galardoa anualmente, e de forma alternada, uma obra de ficção narrativa e um trabalho jornalístico de investigação. Em 2021, na sua 24.ª edição, o prémio respeita à modalidade de ficção narrativa.