PCP apresenta plano para garantir soberania alimentar nacional
Portugal tem um acentuado quadro de dependência alimentar, visível no seu grau de auto-aprovisionamento. Esta realidade, gerada por um défice de produção e que há muito é encarada pelo PCP com grande preocupação, levou-o agora a propor um Plano Estratégico para a Soberania Alimentar Nacional.
Portugal precisa de atenuar a dependência do exterior
Lusa
Materializado em projecto de lei, entregue há dias no Parlamento, o plano configura-se como um «instrumento de planeamento dos programas e medidas necessárias para dotar o País de capacidade de aprovisionamento e de acesso a bens alimentares e combater desequilíbrios acentuados na balança alimentar nacional».
Trata-se, no fundo, de identificar com rigor em que áreas se situam as carências alimentares, conhecer as nossas aptidões e capacidades, reduzir a dependência do exterior.
Por outras palavras, como precisou ao Avante! o deputado João Dias, saber quais as aptidões da cada região e dos solos, saber o que podemos produzir (caracterização da capacidade produtiva nacional de bens alimentares), apurar as necessidades de aprovisionamento, com vista a «ganhar mais autonomia, mais soberania, menos importações».
Nesse sentido, naquilo em que somos auto-suficientes, o objectivo visado é que essa autonomia seja mantida e reforçada, visando inclusivamente as exportações. Já nas áreas em que somos dependentes, o que se pretende é atenuar essa dependência do exterior colmatando-a com medidas de incentivo à produção e de de combate ao desequilíbrio da balança alimentar.
Estas são medidas da maior importância se atendermos a que a nossa balança comercial de bens alimentares, de acordo com dados de 2020, regista no que toca aos produtos do reino vegetal um défice de cerca de seis milhões de toneladas, dos quais quase 3,5 milhões são relativos a cereais, designadamente trigo e milho. Este défice corresponde a -686 milhões de euros, dos quais 670 milhões de euros dizem respeito ao défice em cereais.
Nos produtos de origem animal, o balanço entre exportações e importações não é melhor: atinge quase 0,4 milhões de toneladas, representando o sector piscícola cerca de 60% deste défice. «A este défice em produtos associa-se um défice económico de -1730 milhões de euros dos quais 1022 milhões respeitam a produtos piscícolas», assinala a bancada comunista na nota preambular do seu diploma.
Soberania em xeque
Outro dado importante para o qual o PCP chama a atenção é o do grau de auto-aprovisionamento, também ele revelador da nossa dependência alimentar. Dados relativos ao período 2019/2020 mostram como esse quadro de sujeição é especialmente preocupante no que respeita a cereais (variando entre 4% no caso do trigo e 68% para a aveia), leguminosas (18%), batata (48%), carne de bovino (55%) e leites acidificados incluindo iogurtes (53%).
Daí o entendimento do PCP quanto à necessidade de que sejam adoptadas medidas que «invertam o sentido de dependência a que se assiste», tanto mais que, como sublinha no seu projecto de lei, um País que não assume como prioridade a produção primária por forma a assegurar a suficiência destes bens à população, «é um País em que está posta em causa a sua soberania».
Para que assim não seja, o que se impõe, pois, na óptica dos comunistas, é o «investimento em conhecimento e promoção de espécies autóctones, adaptadas às condições do País, aos desafios das alterações climáticas e da produção sustentável e às suas necessidades alimentares».
O que implica a preservação do uso dos solos mais produtivos para a prática agrícola, objectivo que no caso particular dos cereais ganha uma relevância ainda maior tendo presente o histórico de destruição e de erros resultantes das políticas agrícolas, em que avultou o desmantelamento da EPAC e as dificuldades criadas à produção e armazenamento dos cereais, que levaram à perda de sementes e de conhecimento, à descrença nesta produção, à ocupação de terras com outras culturas e em especial monoculturas, «com os perigos de desertificação dos solos, de contaminação por agro-químicos e vulnerabilidades a pragas que os modos agrícolas super-intensivos acarretam».
Para combater os desequilíbrios da nossa balança alimentar, não menos vital é, por outro lado, o apoio ao sector da pesca, incentivando e expandindo o exercício da actividade, com garantia de rendimentos dignos aos seus trabalhadores e condições de trabalho em segurança.
Reserva estratégica
O diploma do PCP prevê a criação de uma Empresa Pública de Reserva Estratégica Alimentar, cujo objectivo é «criar, gerir e manter a reserva nacional de bens alimentares prioritários».
Falamos de trigo, leguminosas, batata, queijo, carne de bovino, de modo a assegurar graus de auto-aprovisionamento nacionais destes produtos superiores a 50 por cento.
Reserva essa, sempre que possível, obtida a partir da «pequena e média agricultura, da pesca local e costeira, da pequena e média indústria agro-alimentar», esclareceu João Dias.