Trapalhadas, teimosias e desconsiderações

Rui Fernandes

O Go­verno não ouve os tra­ba­lha­dores do SEF acerca do seu pró­prio fu­turo

Lusa

Diz a sa­be­doria po­pular que o que co­meça mal tarde ou nunca se en­di­reita. Assim pa­rece estar a acon­tecer com tudo o que ro­deia o Ser­viço de Es­tran­geiros e Fron­teiras (SEF).

Em fi­nais do ano pas­sado, o Go­verno anuncia uma re­es­tru­tu­ração do SEF, num quadro em que es­tava acos­sado pela re­toma me­diá­tica do in­con­ce­bível caso que re­sultou na morte de um ci­dadão ucra­niano no ae­ro­porto. Desse anúncio e da sua ex­pli­ci­tação mais de­sen­vol­vida, per­cebeu-se que não se tra­tava só de tornar mais ní­tida a se­pa­ração entre a com­po­nente ad­mi­nis­tra­tiva e a com­po­nente po­li­cial, como consta do pro­grama do Go­verno, mas o es­fran­ga­lhar pela PSP, GNR, Re­gistos e No­ta­riado e PJ de todo o ser­viço ac­tual.

Uma coisa seria o su­bli­nhado mais ní­tido entre a com­po­nente ad­mi­nis­tra­tiva e a po­li­cial, pe­gando por exemplo no res­tante e in­te­grando-o numa Po­lícia, fi­cando como com­po­nente do mesmo. Outra coisa com­ple­ta­mente dis­tinta é a ato­mi­zação.

Pas­saram meses desde essa al­tura e sai uma re­so­lução do Con­selho de Mi­nis­tros que plasma esse mesmo ob­jec­tivo. Ao longo de todo esse tempo, nunca o Go­verno chamou as es­tru­turas sin­di­cais do SEF para qual­quer con­versa sobre o fu­turo do SEF, ou seja, sobre o seu fu­turo en­quanto tra­ba­lha­dores. Os mesmos que são sau­dados pelo seu tra­balho em Ode­mira, nos ae­ro­portos ou no âm­bito in­ter­na­ci­onal, são os mesmos que de­pois são des­con­si­de­rados no as­pecto mais bá­sico que tem a ver com o seu fu­turo como tra­ba­lha­dores.

Ficou en­tre­tanto no­tório que o Go­verno pre­tende tratar tudo isto à margem da As­sem­bleia da Re­pú­blica. Ar­gu­menta com o facto de o SEF ser um Ser­viço de Se­gu­rança e não uma Força de Se­gu­rança e que, por isso, tal ma­téria não é re­serva ab­so­luta de tra­ta­mento da As­sem­bleia. Acon­tece que as me­didas que o Go­verno quer adoptar não mexem só com o SEF. Não se trata de adoptar uma nova or­gâ­nica in­terna no SEF ou entre este e ou­tros ser­viços da Ad­mi­nis­tração Pú­blica. As me­didas que o Go­verno pre­tende tomar in­ter­ferem também com a PSP e a GNR.

 

De­cisão ina­cei­tável

Em face de toda a si­tu­ação, uma das es­tru­turas sin­di­cais do SEF de­cidiu marcar pa­ra­li­sa­ções, re­cla­mando serem ou­vidos pela tu­tela sobre o seu fu­turo. Em face disso, o Go­verno de­cide pela re­qui­sição civil, ar­gu­men­tando com o es­tado de ca­la­mi­dade, a pan­demia, a fis­ca­li­zação das fron­teiras e con­trolo sa­ni­tário nas mesmas. Não exigiu ou impôs ser­viços mí­nimos, pura e sim­ples­mente sus­pende ina­cei­ta­vel­mente os di­reitos. Aliás, esta não é a pri­meira pa­ra­li­sação do SEF em es­tado de ca­la­mi­dade. No início de Maio houve uma e tudo de­correu dentro da nor­ma­li­dade. O que mudou? Deixa-se aos lei­tores a fácil res­posta.

No con­junto da ar­gu­men­tação uti­li­zada para jus­ti­ficar tal de­cisão, fi­camos também a saber que é o SEF que faz con­trolo sa­ni­tário. É uma função do SEF? Não de­veria ser uma função de es­tru­turas li­gadas à saúde? É o pes­soal do SEF que tem de con­trolar pas­sa­portes e vistos, ve­ri­ficar se os testes ne­ga­tivos e se é falso ou ver­da­deiro o do­cu­mento que o com­prova, etc? É ade­quado um pro­blema de saúde ser tra­tado junto dos ci­da­dãos por uma força de se­gu­rança?

Mas há aquilo que não foi dito. Por exemplo, não foi dito que esses mesmos pro­fis­si­o­nais ainda não re­ce­beram o sub­sídio atri­buído ao de­no­mi­nado pes­soal da linha da frente. Não foi dito que há ainda pro­fis­si­o­nais destes, que estão em con­tacto com cen­tenas de ci­da­dãos, que ainda não foram va­ci­nados.

Vol­tando ao início, o que co­meçou mal pros­segue agora acres­ci­da­mente mal.



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