«Cimeira Social»: porquê e para quê?

João Ferreira

O chamado «modelo social europeu», ao longo de décadas, tem pontuado muitos e muitos discursos, mais ou menos inspirados, de apologia da integração capitalista europeia.

Este adorno retórico tende a atribuir os padrões médios de bem-estar social existentes nos países da UE, tidos como mais elevados do que noutros países do mundo, à própria UE, às suas preocupações sociais, ao seu acervo de políticas e de legislação.

Trata-se de uma velha e rematada falácia. Os direitos sociais e laborais vigentes nos países da UE decorrem de fatores históricos diversos, assumindo a luta dos trabalhadores uma importância cimeira. Em Portugal, são indissociáveis da revolução de Abril e do seu notável acervo de conquistas. Atribuir, directa ou indirectamente, tais conquistas à UE constitui uma recorrente aldrabice. Se parte importante deste acervo persiste e vive ainda hoje, tal acontece apesar da UE e não graças à UE. O que sempre se verificou, sim, foi que as políticas e as orientações da UE, a dinâmica imposta pela livre concorrência no mercado único e pela moeda única, contribuíram para atacar, fragilizar ou retirar direitos, para degradar níveis de bem-estar e não para os incrementar.

O processo de «lavagem social» da UE, de branqueamento das suas políticas antissociais, não sendo novo, assume renovadas expressões nos dias que correm.

A presidência portuguesa do Conselho da UE assume um papel importante neste processo, com a realização da chamada Cimeira Social, no Porto, no final da próxima semana.

O evento é apresentado como um espaço de discussão sobre o objetivo de reforço do «modelo social europeu». Discutir-se-á um «plano de ação», apresentado pela Comissão Europeia, para concretizar o Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

Se o diabo tantas vezes se esconde nos detalhes, neste caso, as já invocadas razões históricas mais aconselham a que se use de elementar prudência, na procura dos reais objetivos a que proclamadas boas intenções dão guarida.

Entre estas intenções está o aumento da população empregada. Desiderato sempre louvável, mesmo se fixado longe do arrojo de outros tempos, quando ainda se falava de «pleno emprego». Levantado o véu das intenções, o que vislumbramos? À boleia de «transições» ditas «verde», uma, e «digital», a outra, perspectivam-se novas formas de desregulação laboral: a normalização da precariedade e do trabalho temporário, no reino das «plataformas digitais» e não só; a promoção da «transição entre empregos», que serve para justificar a facilitação dos despedimentos; a generalização do teletrabalho, arrastando o local de trabalho para dentro de casa do trabalhador, isolando-o e sujeitando-o a uma disponibilidade permanente, mesmo se matizada com a instituição do dito «direito a desligar».

No plano dos salários, depois do seu sacrifício no altar da moeda única, com anos de estagnação, acena-se com critérios para fixar os salários mínimos em toda a UE. Em Portugal, tais critérios criariam uma pressão objectiva no sentido de conter o justo e necessário aumento do salário mínimo nacional.

Tudo isto, e mais, constará das linhas e das entrelinhas com que se escreverá esta Cimeira Social.




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