Eles e os outros
No passado domingo, dia 25, a RTP l voltou a transmitir o filme «Capitães de Abril», de Maria de Medeiros, que entre outros méritos tem o de implicar não apenas uma homenagem, mas também um tácito agradecimento, aos militares que nos devolveram o país livre e esperançoso que nos havia sido confiscado. Fez a RTP, pois, muito bem. Talvez não seja injusto, porém, dizer que fez pouco. É que o derrube da ditadura fascista não foi um espécie de presente descido dos céus, como aliás bem se sabe, nem a consequência imediata de um acto de inconformismo da parte de um excelente punhado de capitães, mas o resultado do cruzamento de várias causas e acções entre as quais avultam os anos de resistência clandestina onde o Partido Comunista Português foi protagonista determinante. Com momentos raros que bem podem ser caracterizados como excepcionais, não tem a RTP, operadora pública de televisão, reconhecido e destacado essa participação comunista na resistência antifascista ao longo de anos e anos, e essa continuada omissão resulta numa deformação da história do nosso país no século passado. É certo que a resistência ao fascismo não foi exclusivo mérito dos comunistas, nem aliás estes pretendem que o tenha sido, mas é indiscutível e em verdade praticamente reconhecido que sem os comunistas a brutalidade repressiva do fascismo teria tido muito menos que fazer.
Complemento natural
Assim, parece óbvio que à RTP, a tal que é operadora estatal com responsabilidades inerentes, cabe o dever de não excluir por omissão a efectiva resistência dos cidadãos à ditadura salazarista e à sua sequela marcelista. Antes dos capitães e do que o País ficou a dever-lhes em Abril houve gente que resistiu, que sofreu a prisão e agressões várias e de diverso tipo, que manteve aceso um rastilho que em Abril de 74 viria e explodir na conquista da liberdade e no fim das guerras coloniais a vários títulos injustas e de facto infames. Essa gente não pode ser esquecida quando se celebra a vitória de Abril enfim chegada: comunistas ou não, agiram, movimentaram-se, resistiram, e para isso não precisaram de ter fardas, ter-lhes-á bastado essa espécie de outra farda, essa invisível e reconhecível, que é a apetência da justiça social e a aversão a todas as formas de brutalidade. Acontece que uma dessas formas, talvez a menos denunciada, porventura a mais socialmente aceite, é a exploração dos homens por outros homens, espécie de assalto permanente encarado como fazendo inevitável parte da suposta natureza das coisas. Sabemos que Abril foi também, pelo menos tendencialmente, um passo contra essa específica forma de brutalidade. Sabemos também que faltam outros passos. Pensemos neles. Porventura como complemento natural aos festejos de Abril.