Manifesto revolucionário
Em As Armas e o Povo é como se a história ganhasse vida
Comemoram-se este ano os 47 anos do 25 de Abril de 1974. É um momento histórico protagonizado pelo povo português, data fundadora de um projecto de emancipação e democracia, semente viva de um tempo liberto da exploração humana. Já se sabe que o contexto destas comemorações vai mudando, sublinhando de diversas formas a importância dos valores da Revolução de Abril no presente e no futuro de Portugal. Este é um período particularmente difícil em que uma crise sanitária se tornou numa crise social.
O desemprego cresce. A exploração aumenta. Os salários permanecem baixos e basicamente estagnados. A legislação laboral não reconhece verdadeiramente a primazia do trabalho sobre o capital. Todavia, a chama do 25 de Abril que ateou o 1.º de Maio e uniu o povo à classe trabalhadora permanece acesa. Os trabalhadores e o povo resistem, lutam, defendem as conquistas da revolução, recuperando-as, reforçando-as, desenvolvendo-as. Isso tem sido bem visível em relação aos serviços públicos que a epidemia do Sars-Cov-2 demonstrou serem essenciais para a protecção e o progresso sociais. As situações excepcionais expõem fragilidades e revelam necessidades de uma maneira límpida.
O 25 de Abril e o 1.º de Maio fazem parte do ADN da democracia portuguesa e assim permaneceram apesar dos golpes militares contra-revolucionários de 11 de Março e 25 de Novembro de 1975. Por essa razão, é preciso cultivar a sua memória, projectá-los, desdobrá-los nas lutas de hoje. Nesse sentido, dispomos de elementos que nos ajudam nessa tarefa, em particular o facto de o processo revolucionário português ter sido amplamente registado em imagens e sons.
A revolução em cinema
Em Setembro de 2020 foi lançada uma edição em DVD com uma nova e esplendorosa cópia digital de As Armas e o Povo (1975), filme colectivo sobre a revolução, documento fundamental emanado desse processo. Como se lê no texto de apresentação: «As Armas e o Povo é também um manifesto sobre a relação entre cinema e política, não apenas como mero difusor dos acontecimentos, mas sobretudo como participante ativo do ato revolucionário».
A definição das imagens resultante da digitalização 4K do negativo em 35mm foi acompanhado por uma minuciosa correcção de cor. A Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema e o seu Arquivo Nacional das Imagens em Movimento (ANIM) merecem que este e outros serviços públicos que prestam sejam devidamente valorizados. A coordenação do projecto esteve a cargo de Tiago Baptista, director do ANIM. A edição inclui diversos materiais complementares. Sobre As Armas e o Povo é um vídeo realizado por Manuel Mozos, com testemunhos de António da Cunha Telles, Monique Rutler, Eduardo Geada, e Fernando Matos Silva. Uma brochura ilustrada de 76 páginas inclui ensaios inéditos e perspicazes de Paulo Cunha (O Cinema e o Povo), Mickäel Robert-Gonçalves (As Armas e o Povo: O Ritmo Único da Revolução Portuguesa), Ricardo Noronha (O Dia da Unidade), e Ismail Xavier (Sobre a Participação de Glauber Rocha em As Armas e o Povo). Foram ainda adicionadas algumas legendas que identificam pessoas, locais e datas.
As Armas e o Povo não estreou comercialmente em sala, mas isso não o impediu de ser uma obra documental vista e revista ao longo dos anos seguintes. Junta as grandes movimentações de massas aos discursos políticos, a libertação dos presos políticos às entrevistas de rua conduzidas pelo cineasta brasileiro Glauber Rocha, que se deslocou a Portugal para participar nos primeiros dias da revolução.
Este registo único foi assinado pelo Colectivo de Trabalhadores da Actividade Cinematográfica e cobre a etapa entre o Dia da Liberdade e o Dia do Trabalhador de 1974. Acácio de Almeida, Manuel Costa e Silva, António H. Escudeiro, José Fonseca e Costa, Luis Galvão Telles, Matos Silva, João Matos Silva, José de Sá Caetano, Geada, Fernando Lopes, António de Macedo, João Moedas Miguel, João César Monteiro, Elso Roque, Alberto Seixas Santos, Artur Semedo, Cunha Telles, e António Pedro Vasconcelos são os nomes que constituíram o colectivo. Esta obra de cinema feita em colaboração é, portanto, um fruto da unidade e criatividade da própria revolução. O laborioso trabalho de montagem de Rutler permitiu documentar toda a complexidade do processo revolucionário: as forças, as figuras, os momentos decisivos, o movimento material. Mesmo para quem já o tenho visto, é uma experiência extraordinária vê-lo nesta nova cópia. É como se a história ganhasse vida.