Três apontamentos, em tempos de crise

João Ferreira

1. Pe­rante o nau­frágio da es­tra­tégia de va­ci­nação da UE, são pelo menos oito os Es­tados-mem­bros que con­cre­ti­zaram ou con­si­deram aber­ta­mente so­lu­ções al­ter­na­tivas que lhes per­mitam ace­lerar o ritmo de va­ci­nação da res­pe­tiva po­pu­lação, fora do quadro res­trito de va­cinas dis­po­ni­bi­li­zadas pela UE.

Ao ritmo a que avança a va­ci­nação, será im­pos­sível cum­prir o ob­je­tivo de va­cinar 70 por cento da po­pu­lação até ao fim do Verão, não se indo além dos 30 por cento, em termos mé­dios, no con­junto da UE. Esta es­ti­ma­tiva não conta, ainda, com as per­tur­ba­ções cau­sadas pelas in­ter­rup­ções na va­ci­nação, mo­ti­vadas pelas dú­vidas sus­ci­tadas em torno da va­cina da As­tra­Ze­neca. Se tudo con­ti­nuar como até aqui, será im­pos­sível al­cançar a de­se­jada imu­ni­dade de grupo em 2021.

As mul­ti­na­ci­o­nais far­ma­cêu­ticas vão re­pe­ti­da­mente des­res­pei­tando os prazos com que se com­pro­me­teram para en­trega das va­cinas. Mas con­ti­nuam a contar com a pro­teção da Co­missão Eu­ro­peia, que se opõe à di­ver­si­fi­cação das op­ções de compra de va­cinas e à aber­tura das pa­tentes – o que per­mi­tiria pro­duzir mais va­cinas, mais ra­pi­da­mente, mas di­mi­nuiria os lu­cros das far­ma­cêu­ticas.

A pre­si­dência por­tu­guesa do Con­selho da UE alinha com a opção da Co­missão Eu­ro­peia, que co­loca os in­te­resses das mul­ti­na­ci­o­nais acima dos in­te­resses das po­pu­la­ções. O ine­fável mi­nistro Santos Silva, con­fron­tado com a ne­ces­si­dade de Por­tugal se dotar, ele pró­prio, de uma es­tra­tégia que não o deixe in­tei­ra­mente de­pen­dente da fra­cas­sada es­tra­tégia da UE, res­ponde que tal seria «uma traição à UE». Cruzes, ca­nhoto. Que se traia antes o in­te­resse na­ci­onal. Assim como assim, não será nada a que Santos Silva não es­teja mais do que ha­bi­tuado.

2. O Plano de Acção apre­sen­tado pela Co­missão Eu­ro­peia para con­cre­tizar o pro­cla­mado Pilar Eu­ropeu dos Di­reitos So­ciais acaba de lançar luz sobre as reais in­ten­ções deste Pilar. Ao mesmo tempo que volta a varrer para longe con­ceitos como o do «pleno em­prego» – há anos, sig­ni­fi­ca­ti­va­mente, ar­re­dado da re­tó­rica e das es­tra­té­gias da UE –, o Plano de Acção as­sume a in­tenção de «re­duzir a po­breza». Mas pouco. Dos 93 mi­lhões de pes­soas em risco de po­breza e ex­clusão so­cial na UE, a Co­missão Eu­ro­peia propõe-se deitar a mão a 15 mi­lhões, para os re­tirar dessa si­tu­ação. O mesmo é dizer, o am­bi­cioso plano aponta para manter numa si­tu­ação de risco de po­breza e ex­clusão 78 mi­lhões de pes­soas.

3. Foi apro­vado o su­cessor do Plano Juncker, de­no­mi­nado In­vestEU. O recém-nas­cido acres­centa ao an­te­cessor, con­si­de­rado «um plano de in­ves­ti­mento para a Eu­ropa», a am­bição de con­tri­buir para en­frentar os im­pactos da COVID-19.

Ao mesmo tempo que cortou nos fundos es­tru­tu­rais e de co­esão, a UE re­força e di­ver­si­fica ins­tru­mentos fi­nan­ceiros do tipo do In­vestEU, que pres­su­põem a «ala­van­cagem» do in­ves­ti­mento pú­blico com re­curso ao in­ves­ti­mento pri­vado. O ar­gu­mento é o de que «é pos­sível fazer mais com menos». Mas não é. Ao con­trário dos fundos da co­esão, o In­vestEU não tem uma alo­cação ga­ran­tida por país. Tra­tando-se de um ins­tru­mento de base com­pe­ti­tiva, a dis­tri­buição do in­ves­ti­mento ten­derá a ser pro­por­ci­onal ao nível de de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico de cada país. O re­sul­tado será mais de­si­gual­dade, menos co­esão.




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