A espada e a parede
A fórmula é excessiva, mas será perdoável que ocorra perante o risco que a informação televisiva pareceu confirmar quanto a algum perigo inerente à utilização de uma vacina contra o sinistro vírus que tem andado por aí a ameaçar-nos. A avaliar pelo que a TV veio dizendo pelo menos até ao final de domingo passado, o eventual recurso a uma vacina poderia implicar riscos, e o menos que se pode admitir é que da percepção deles iria decorrer uma retracção perante a vacina. Recusar essa defesa, porém, não parecia como a opção garantidamente preferível. E assim ficava o cidadão telespectador entregue a hesitações e talvez a desorientações de todo indesejáveis. É claro que a TV e a informação que ela nos presta não está obrigada a fazer milagres, a induzir opções superlativamente difíceis, mas o caso é que, perante o que a TV conta e diz, parece natural alguma partilha entre a apetência pela vacina, ainda que com algum eventual risco, e a parede dura que é a ameaça da doença. Situação nada invejável, como bem se entente.
Uma ressalva
De qualquer modo, não apenas a televisão mas também a informação diversa que o quotidiano nos vem trazendo coincidem na advertência tácita quando não expressa: o perigo ronda e é preciso contar com ele. Contudo, «contar com ele» não pode desembocar na total renúncia à vida social, à abdicação de necessidades e conveniências importantíssimas: estaremos (ou não) «entre a espada e a parede», mas nem essa eventual posição, obviamente de uma incomodidade enorme, pode liquidar-nos como gente viva e actuante. É aqui que intervém o mais que legítimo desejo de uma vacina que nos permita este facto singelo: prosseguirmos as nossas vidas nos mais diversos planos em que ela deverá decorrer. Com uma ressalva: não uma vacina que possa, também ela, sobretudo ela, ser assassina. É por isso, como decerto bem se entende, que a referência televisiva ou outra a riscos de morte pelo recurso a uma vacina é de uma superlativa gravidade: até poderemos ficar, em (in)certos momentos, «entre a espada e a parede», mas é necessário e sobretudo imprescindível rejeitar a espada e recusar a parede. Isto é, é preciso viver. Em todas as dimensões permitidas pela realidade. Que são muitas. Para além da suposta alternativa inaceitavelmente acanhada entre «espada» e «parede».