O que (não) esperar da Presidência portuguesa
Durante este semestre, Portugal assumirá a Presidência do Conselho da União Europeia (UE). As prioridades assumidas enquadram-se no programa definido pelo trio de presidências (Alemanha, Portugal e Eslovénia) e inserem-se numa agenda de uma Europa resiliente, social, verde, digital e global, seguindo a expectável cartilha neoliberal.
Após a aprovação, no final do ano passado, do Quadro Financeiro Plurianual (2021-2027) e do Fundo de Recuperação, iniciar-se-á agora a aplicação desses instrumentos. Do que o País necessita é que os recursos cheguem rapidamente e incidam no reforço das funções sociais do Estado, no sector produtivo e nas micro, pequenas e médias empresas (MPME), investimento fundamental para o desenvolvimento económico e social e o combate a défices estruturais e à dependência da economia nacional. A promoção da produção nacional (agricultura, pescas) e a recuperação de sectores estratégicos da economia são exigências indispensáveis para assegurar as condições necessárias para o desenvolvimento soberano do País, para superar os principais défices estruturais, para valorizar os salários e direitos dos trabalhadores e elevar as condições de vida do povo.
Obviamente que, para isso, seria imprescindível que as opções de investimento estivessem alinhadas com as reais necessidades e a realidade económica e social de cada país, em vez de corresponderem aos interesses dos grandes grupos económicos e das grandes potências da UE.
Também as questões sociais e laborais assumirão particular importância, ainda mais no contexto do surto de COVID-19, que expôs claramente a relevância do trabalho e dos trabalhadores, exigindo-se a valorização dos salários, a negociação colectiva, o combate à precariedade e uma legislação laboral mais justa. O aumento do desemprego, das desigualdades, da pobreza e exclusão social exigem medidas sociais extraordinárias bem como protecção na infância e na velhice. Insistir em abordagens que, travestidas de social, contribuem para prosseguir o ataque a direitos laborais e sociais é um caminho que infelizmente já conhecemos e é disso exemplo o Pilar Europeu dos Direitos Sociais.
Relativamente às políticas de saúde, a situação actual demonstra a necessidade de reforço do Serviço Nacional de Saúde, contrariando o desmantelamento e desinvestimento sistémico e o caminho de privatização dos cuidados de saúde. Prosseguir com a criação da «União da Saúde» será aprofundar e intensificar tendências privatizadoras e de centralização supranacional.
A «agenda ambiental» mantém a centralidade na mercantilização da Natureza, não combatendo os problemas existentes. Nem a «agenda digital» terá espaço para discutir os direitos dos trabalhadores face aos avanços científicos e tecnológicos ou a defesa das MPME num contexto de cada vez maior concentração por via do alargamento do comércio digital.
A Presidência portuguesa deveria constituir um momento para afirmar a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores, do povo e do País, para combater retrocessos e para traçar políticas que rompessem com o rumo, que nos tem sido imposto, de desigualdade social, disparidades entre países e regiões, de dependência. Nos próximos meses veremos que assim não será.