O Partido com Paredes de Vidro, de Álvaro Cunhal, foi lançado há 35 anos

«Dar a conhecer como nós, os comunistas portugueses, concebíamos, explicávamos e desejávamos o nosso próprio partido»

Lançado pela primeira vez em Agosto de 1985, O Partido com Paredes de Vidro, de Álvaro Cunhal, tinha como objectivo declarado «dar a conhecer como nós, os comunistas portugueses, concebíamos, explicávamos e desejávamos o nosso próprio partido». Nessa altura, como muitas vezes antes e depois, o PCP enfrentava «caluniosas acusações», que o apresentavam como uma força aferrolhada num «bunker de grossas paredes de cimento, ocultando os seus verdadeiros objectivos e a realidade da sua vida interna».

Com esta obra, reeditada em 2002 com um prefácio também ele de leitura obrigatória para a concretização daquele objectivo, os leitores (fossem ou não militantes ou simpatizantes do Partido Comunista Português) puderam observar e conhecer por dentro o PCP, como se o fizessem «através de paredes de vidro». E o que se vê, à transparência dessas paredes? Desde logo, as raízes históricas e as características essenciais do PCP, o seu Programa e objectivos – assim como erros e tendências negativas que se procurou sempre combater e corrigir.

Nos vários capítulos são abordadas questões como a natureza de classe do Partido, o trabalho colectivo e o grande colectivo partidário, a democracia interna, a organização enquanto expressão e instrumento da força do Partido, os quadros, a disciplina e a unidade, a moraldos comunistas, a independência do Partido e o seu carácter patriótico e internacionalista.

A abordagem a todas as temáticas é feita de forma dialética e, quando necesssário, autocrítica: a soberba, a auto-satisfação e o simplismo estão ausentes das páginas de O Partido com Paredes de Vidro.

Dialético e autocrítico
No referido prefácio de 2002, quando a situação nacional e internacional era já profundamente diferente da de 1985, é o próprio Álvaro Cunhal a reconhecer que, ao contrário do que se afirmava nessa altura, o capitalismo «não perdera a iniciativa histórica» nem entrara ainda na época «da sua agonia».

Mas esta justa autocrítica não desmente, porém, o reconhecimento de que o capitalismo está «roído por insanáveis contradições internas e continua a mostrar-se incapaz de responder às legítimas aspirações económicas, sociais, políticas e culturais da humanidade», o que será até mais evidente hoje do que era em 2002. Da mesma forma que não retira validade à afirmação de que nesses anos de vitórias da causa comunista foi uma «época gloriosa da história da humanidade».

Diferente estará, também, a composição social em Portugal se comparada com 2002 e, ainda mais, com 1985. Porém, como também nota Álvaro Cunhal no prefácio, tal não põe em causa a «validade da natureza de classe do Partido», que não se limita a defender os interesses da classe operária e de todos os trabalhadores, «antes toma a defesa dos interesses e direitos de “todas as classes e camadas antimonopolistas”, grande maioria da população».

Mas é muito aquilo que é perene, mesmo que nem sempre se exprimindo da mesma forma. É o caso do trabalho colectivo, que então como hoje não só não dispensa como valoriza, estimula e mobiliza o trabalho, as opiniões e as críticas individuais. Ou da disciplina partidária, assumida no PCP como «imperativo de acção e uma maneira natural de agir», nada tendo a ver com a disciplina de tipo militar. Quanto à moral comunista, ela é de classe, distinguindo-se em tudo da «moral burguesa dominante», marcada pelo egoísmo, o individualismo, o desprezo pelos outros, a ambição pessoal.

Constante é, também, o valor da militância, que «enriquece a vida e o ser humano» e continua a ser, para os comunistas, «o mais exaltante motivo de vida».

 

No momento em que se comemora o centenário do PCP, ler e estudar O Partido com Paredes de Vidro continua a ser a forma mais eficaz de conhecer como são, como se organizam e por que lutam os comunistas portugueses.



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