As vacinas e a primeira tranche de «ajuda»
1. Nas últimas semanas, sucederam-se os anúncios de novas vacinas contra a COVID-19, prontas a ser produzidas em massa, por vários laboratórios farmacêuticos. Brandiram-se taxas de eficácia e a cotação em bolsa das ações das empresas envolvidas subiu em flecha, mesmo sem que todos os dados relativos aos ensaios clínicos tivessem sido divulgados à comunidade científica e por ela escrutinados.
A rapidez com que foi possível desenvolver estas vacinas é notável e demonstrativa do enorme potencial da ciência e da tecnologia nos dias que correm. Mas este processo revela também aspetos que merecem ponderação, sobre o papel das multinacionais farmacêuticas e sua relação com os Estados e o interesse público.
A Comissão Europeia celebrou acordos com cinco grandes empresas (Pfizer, AstraZeneca, Moderna, Johnson & Johnson e Sanofi-GSK), conhecidos colossos do setor farmacêutico, estando previsto ainda um contrato com uma sexta. Estes acordos, além de garantirem a compra antecipada de vacinas, financiam os custos iniciais com investigação e desenvolvimento. A Comissão Europeia propôs um quadro de apoio à indústria farmacêutica que, além destes financiamentos «à cabeça», que vão do arranque do processo à compra do produto, prevê também uma apólice de seguro que transfere uma parte dos riscos da indústria para as autoridades públicas. Ou seja, os recursos públicos (vindos da Comissão Europeia, indiretamente dos Estados) pagam o desenvolvimento das vacinas, pagam a sua compra e, no fim, uma vez que se assume que o processo comporta uma taxa de insucesso elevada, sendo elevado o risco de não se chegar a um produto final seguro e eficaz, os Estados podem ainda assumir os custos do insucesso. Um negócio apetecível para as multinacionais, convenhamos.
Pensemos agora nos recursos que se poderiam poupar, ou, dito de outra forma, no que poderíamos ganhar para suportar custos de desenvolvimento e distribuição de vacinas e medicamentos, caso dispensássemos a intermediação do negócio das multinacionais, canalizando os recursos para a investigação pública, assentes em projetos de colaboração entre os Estados.
Entretanto, os termos e condições dos acordos de aquisição assinados pela Comissão Europeia com as farmacêuticas não são ainda inteiramente conhecidos, carecendo de clarificação, nomeadamente no que se refere a cronogramas, detalhes de pagamentos, preços, margens de lucro, seleção de vacinas candidatas e critérios de alocação e distribuição entre os Estados-Membros.
2. Na semana passada, surgiu, com pompa, a notícia da chegada de uma primeira tranche de «ajuda» da UE, correspondente a 3 mil milhões de euros, para fazer face a custos com a COVID-19. Servirá para financiar medidas como o lay-off, o apoio aos trabalhadores independentes, entre outras. Importa sublinhar que não se trata de uma ajuda a fundo perdido, mas sim de um empréstimo, que vencerá no prazo máximo de 15 anos, para o qual Portugal teve de apresentar garantias e sobre o qual pagará juros. Questionada sobre as condições do empréstimo, em especial no que toca ao montante dos juros, a Comissão Europeia, até à data, nada revelou.