A Unidade Popular e a via chilena para o socialismo: «Venceremos!»
Meio século depois, a experiência da Unidade Popular inspira a luta actual do povo chileno
A 24 de Outubro de 1970, faz no próximo sábado 50 anos, o socialista Salvador Allende foi proclamado como Presidente da República do Chile, à frente da Unidade Popular (UP), que reunia comunistas, socialistas, sociais-democratas, cristãos progressistas e vários outros sectores de esquerda.
Esta ampla coligação, que se vinha construindo desde a década de 50, nem por um momento ocultou os seus objectivos: no Programa da Unidade Popular, aprovado ainda em 1969, constavam o poder popular, a propriedade social sobre os principais meios de produção, a reforma agrária, o desenvolvimento económico e social, o aprofundamento dos direitos laborais e sociais, uma «cultura nova para uma nova sociedade», a recuperação da soberania e independência nacionais. Era assim a via chilena para o socialismo.
Como mais tarde afirmaria o então Secretário-geral do Partido Comunista do Chile, Luís Corvalán, todos os partidos integrantes da UP contribuíram para a vitória de Setembro de 1970 e para as transformações subsequentes, e todos «se mantiveram unidos e leais até ao fim». Mas o companheiro Presidente (como Allende era tratado por amplos sectores populares) e o Partido Comunista do Chile assumiram um papel determinante na construção do movimento unitário.
Logo em 1956, o PCC destacou a possibilidade de fazer a revolução por via não armada e, seis anos mais tarde, realizou o seu XII Congresso sob a palavra de ordem Para a Conquista de um Governo Popular!; em 1969, um novo congresso apontou como objectivo imediato Unidade popular para conquistar um governo popular, consagrado menos de um ano depois.
Conquistas indeléveis
Em três anos, o governo da Unidade Popular concretizou transformações de extraordinário alcance: implementou uma política externa independente, reatando laços diplomáticos com Cuba nas primeiras 24 horas da presidência de Allende; recuperou para o país a totalidade das suas riquezas naturais, desde logo o cobre; nacionalizou 70 das maiores empresas monopolistas; assumiu a direcção de 16 bancos comerciais (num total de 18), nacionais e estrangeiros, controlando mais de 90% do crédito, garantindo-lhe o acesso a pequenas e médias empresas; expropriou seis milhões de hectares de terras cultiváveis.
A Unidade Popular alcançou ainda uma acentuada redistribuição de rendimentos, o incremento significativo da produção industrial (superior a 20% nos dois primeiros anos), a diminuição drástica do desemprego, da pobreza e da mortalidade infantil, a generalização dos direitos à educação e saúde, a construção massiva de habitações para as classes populares.
O carácter revolucionário da experiência chilena fica ainda evidente pela entusiástica participação popular na defesa e avanço do processo democrático a caminho do socialismo: as comissões de base, os sindicatos, as cinturas industriais, os conselhos camponeses, os comandos comunais, as juntas de abastecimento e controlo de preços, o Movimento dos Voluntários da Pátria afirmaram-se como embrião do poder popular.
Para Luís Corvalán, a revolução chilena demonstrou, na prática, a «possibilidade de a classe operária e o povo chegarem ao Poder – ou melhor, a uma parte do Poder – por uma via não armada e de tornar realidade uma série de transformações revolucionárias por essa via». Tal foi possível, acrescentou, «em virtude de condições específicas de ordem nacional, mas também, e sobretudo, devido às alterações operadas na arena internacional», em favor do socialismo.
Futuro!
O trágico desfecho da experiência socialista chilena é por demais conhecido: o golpe de Estado fascista, «encomendado» e preparado pelo imperialismo norte-americano, culminando três anos de sabotagem e ingerência, afogou em sangue o movimento popular e reverteu as suas conquistas.
Não as apagou, contudo, da memória do povo chileno, que desde o ano passado luta corajosamente contra o neoliberalismo, a violência e a impunidade herdados da ditadur,a ao som dos hinos da Unidade Popular e de um dos seus mais dedicados construtores, Victor Jara. O referendo do próximo domingo, sobre a abertura de um processo constitucional, será um importante momento deste combate.