Regeneração do Pinhal de Leiria é um desígnio nacional
AMBIENTETrês anos depois dos incêndios que consumiram 86 por cento da Mata Nacional de Leiria, com mais de 11 mil hectares, João Ferreira confirmou no terreno que quase tudo está por fazer. Exige-se um sério investimento público na recuperação do Pinhal.
Aqui estamos para lutar ao vosso lado
No sábado, o candidato a Presidente da República (PR) iniciou o dia junto do Posto de Vigia do Ponto Novo,construído em 1937. «Pura poesia» lia-se num banco junto daquele elemento arquitectónico icónico que, além da função que desempenha, outrora proporcionava vistas deslumbrantes. Passados três anos dos enormes incêndios de 15 de Outubro, que devastaram o Pinhal do Rei, o cenário é dantesco.
Hoje, este território, com 8800 hectares ardidos, parece mais um deserto do que uma mata. Das muitas promessas feitas, quase tudo está por fazer: remoção do material lenhoso ardido ou destruído; regeneração natural do pinheiro-bravo; estabilização dos terrenos; controlo atempado e precoce das infestantes; limpeza das linhas de água, entre outros problemas encontrados. No terreno estão ainda a ser depositados lixos urbanos e industriais.
Como salientou João Ferreira – acompanhado por vários autarcas da Marinha Grande, activistas ambientais, apoiantes, militantes e dirigentes do PCP na região – «esta não foi uma tragédia de um dia», estando indissociavelmente ligadaa «anos de abandono do ordenamento e da gestão desta imensa mancha florestal». Como exemplo, referiu que em 2018, por ocasião de uma visita ao local enquanto deputado do Parlamento Europeu, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) revelou que, para toda aquela área, existiam apenas dois técnicos superiores, um dos quais à beira da reforma, quando, poucos anos antes, eram mais de uma dezena.
Por tudo isto, «impõe-se interromper este caminho» e recuperar aquela que foi, até 2017, a maior Mata de gestão pública do País, um «imperativo nacional» que «exige meios». «A receita que se tem obtido com a venda da madeira deve ser afecta para a recuperação do Pinhal», defendeu o candidato, destacando que «o que já se vendeu em madeira é mais do que quatro vezes aquilo que foi o investimento anunciado» pelo Governo.
PR deve ser consequente
De «olhos postos no futuro», outra das ideias avançadas por João Ferreira passa por «criar mecanismos de acompanhamento – nomeadamente por parte das entidades que se têm mobilizado em defesa do Pinhal, das populações, de várias organizações, das autarquias – que permitam a monitorização da evolução da situação no terreno».
«A situação que se vive no Pinhal» é demonstrativa do «afastamento que existe entre aquilo que está inscrito na Lei Fundamental do País e a realidade de todos os dias». «Aquilo que são tarefas fundamentais do Estado não têm sido assumidas enquanto tal», acusou o candidato, vincando que o PR deve ser «consequente» com o juramento que fez quanto tomou posse: defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição.
Relativamente à Mata Nacional, o PR poderia pedir a fiscalização da constitucionalidade das leis que promulgou, a fiscalização da constitucionalidade por omissão e convocar extraordinariamente a Assembleia da República (AR). Tal não aconteceu, exigindo-se «da parte do PR uma outra sensibilidade, atenção e intervenção em torno das questões relacionadas com o Pinhal de Leiria», destacou o candidato, apontando: «Ainda a terra estava quente, assim que os holofotes da comunicação social se apagaram, houve muita gente que desertou», prevalecendo na população um «sentimento de abandono, quer da parte do Governo e das entidades públicas que tinham intervenção, seja por parte de outros responsáveis, como o PR».
Tentativa de privatização
João Ferreira participou, depois, numa sessão pública, no Auditório do Edifício da Resinagem, na Marinha Grande, sob o tema «Defender os recursos naturais e as florestas». Na mesa, com o candidato estiveram Lara Lino, Alexandra Dengucho, vereadoras na autarquia, Isabel Freitas, da Direcção Regional de Leiria do PCP e presidente da Junta de Freguesia da Marinha Grande, e Ângelo Alves, da Comissão Política do PCP e responsável da DORLEI. «Estamos aqui porque olhamos para o futuro. Estamos aqui porque não desistimos do nosso Pinhal», afirmou, no início dos trabalhos, Lara Lino, também da Comissão Concelhia do Partido, que teceu fortes críticas à inércia do Governo, à falta de meios e acção do ICNF e ao «lamentável papel de um executivo camarário submetido à lógica da propaganda e ilusionismo do Governo».
Ângelo Alves manifestou «sérias preocupações» com «reais intenções do Governo» para a Mata Nacional, depois de o secretário de Estado das Florestas ter anunciado, dia 15, na Marinha Grande, a transferência de 13,5 milhões de euros do Fundo Florestal Permanente para o ICNF e de apenas 4,3 milhões, até 2024, para o Pinhal de Leiria, contrariando uma determinação aprovado no plenário da AR. Nessa quinta-feira, o membro do Governo foi recebido, na Praça Stephens, com uma concentração promovida pela Comissão Popular «O Pinhal É Nosso», Sport Império Marinhense e Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira, para reclamar medidas urgentes para a recuperação do Pinhal.
Interesses agigantam-se
«Há uma questão de fundo que se pode estar a agigantar, para a qual temos que estar muito atentos. Podemos estar a assistir a um caminho paulatino, silencioso até, para a privatização de algumas áreas do Pinhal, sob a capa da cogestão», adiantou o dirigente comunista, condenando a «cedência de terrenos para interesses vários», nomeadamente imobiliários e turísticos. «Se cruzarmos isto com o Fundo Revive Natura, que visa alienar o património imobiliário do Pinhal, juntamos as peças do puzzle e observamos que estamos perante um enorme perigo», concluiu.
A necessidade de tirar partido das enormes potencialidades do Pinhal e apostar na sua valorização, nomeadamente com a criação do Museu Nacional da Floresta ou a classificação de uma parte do Pinhal como reserva da Biosfera da Unesco, foi uma das ideias trazidas para o debate.
«O Pinhal é nosso! Desde logo do povo da Marinha Grande e desta região, mas de todo o povo português. É ao povo que tem que ser devolvido – recuperado, valorizado e público. Aqui estamos para lutar ao vosso lado para, também aqui, que se cumpra a Constituição e que o vosso, nosso, Pinhal não seja uma triste recordação ou uma dor no coração», sublinhou João Ferreira.