Rejeitar instrumentos de subjugação
O Parlamento Europeu voltou a insistir no chamado Estado de Direito. Entre um relatório sobre a Bulgária – mantendo-se a troca de galhardetes entre direita e social-democracia sobre qual dos governos que lhes são próximos mais cartas dão nos ataques a direitos sociais, laborais e democráticos – e uma discussão com a Comissão e o Conselho sobre as propostas de condicionalidade relativa ao Estado de Direito no âmbito do próximo Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 (o orçamento da UE para os próximos sete anos) e do chamado «fundo de recuperação», a sessão ficou marcada pela discussão de um relatório que aprofunda o conceito e insiste na criação de um denominado «mecanismo da UE para a democracia, o Estado de direito e os direitos fundamentais».
O dito mecanismo visa aprofundar os mecanismos de controlo supranacional da União Europeia. Propõe-se a criação de um dito ciclo político para a democracia e estado de direito, à semelhança do semestre europeu, com recomendações específicas por país que devem ser implementadas. Prevê que o Tratado da União Europeia e a Carta dos Direitos Fundamentais da UE sejam a base jurídica para medidas legislativas, visando a harmonização dos chamados Direitos Fundamentais, impondo para países como Portugal, com uma Constituição progressista, uma inaceitável pressão negativa, nivelando por baixo os padrões dos direitos consagrados. A proposta legitima assim o alargamento do leque de instrumentos da UE que possibilitam a aplicação de sanções, incluindo financeiras, e de suspensão de direitos de participação, bem como de inaceitáveis chantagens e pressões que pendem sobre países como Portugal.
A ser constituído, tal mecanismo reforçaria o já apertado espartilho de condiciona a livre escolha dos povos do seu rumo de desenvolvimento. Atentemos em algumas ideias. A União Europeia não tem legitimidade para dar lições de democracia a quem quer que seja. O seu conceito de democracia é o das sanções, o das chantagens e das pressões. É o do desrespeito pelas decisões e vontade dos povos, como atestam as pressões, chantagens e mesmo reversão de vários referendos. Ou o da desestabilização e interferência em assuntos internos de países, procurando impor mudanças políticas que sirvam não os interesses dos povos, mas os do grande capital transnacional. O seu conceito de direitos fundamentais é o das criminosas e selectivas políticas migratórias, que permitem a morte de milhares no Mediterrâneo e a detenção desumana de muitos mais milhares. O mecanismo é apresentado (incluindo entre forças ditas progressistas) como uma resposta à degradação democrática e de direitos fundamentais em vários países da UE. Contudo, e sendo real essa degradação, omite-se e ilude-se que são as políticas da UE que estão na sua origem. Omite-se e ilude-se que é no caldo de propostas como estas – de afronta à soberania e aos direitos dos povos – que se estende o tapete à extrema-direita que, nelas se promove e reforça.
Os deputados do PCP no Parlamento Europeu, afirmando a soberania e o direito dos povos a decidirem dos seus desígnios, incluindo dos caminhos para se libertarem do jugo opressor, rejeitaram com o seu voto estas intenções.